Debates
Páscoa, luta pelo poder e luta de classe
Da Redação | 02 de abril de 2024 - 02:34
Por Mário Sérgio de Melo
A luta pelo poder é herança dos instintos básicos de
sobrevivência e domínio, que regem as espécies vivas. Os instintos básicos do Homo
sapiens não são diferentes dos répteis ancestrais. Mas somos mais que répteis.
Evoluímos deles, desenvolvemos o cérebro límbico emocional, o neocórtex
racional e um incipiente cérebro amoroso e solidário. Mas não evoluímos o
suficiente para que a resposta comportamental e social do cérebro reptiliano
torne-se subordinada aos cérebros que nos distinguem como humanos. Ainda somos
muito os répteis!
A luta pelo poder entre os seres humanos resulta dos
instintos básicos do cérebro reptiliano. O empenho em dominar não é novidade,
sempre existiu, desde a pré-história. A novidade são atributos dados pelo
cérebro límbico e o neocórtex. Hoje nos juntamos em etnias, bandos,
nacionalidades, crenças, convicções... que rivalizam ferozes entre si. E
criamos armas poderosíssimas para as reptilianas guerras que promovemos.
A luta pelo poder confunde-se com luta pela posse. O engenho
humano não propiciou só as armas de destruição em massa. Propiciou também
formas de exploração dos recursos do planeta e do trabalho, de maneira que
produzimos muita riqueza. Em consequência do instinto de dominação, o preço das
riquezas produzidas é calamitoso: para o planeta depredado, para as massas de
trabalhadores, exploradas e excluídas.
A consciência, a revolta e um crescente senso de
solidariedade vêm alimentando sinceras revoluções: em Paris, na Rússia, na
Nicarágua, na Venezuela... Todas elas bastante frustradas nos seus anseios
originais. Parece o vulcão que periodicamente explode e então se acalma, para
em seguida continuar a acumular a pressão até a próxima explosão. O instinto de
dominação é inexorável; ou logra as massas revoltosas em renovados arranjos exploradores,
ou desperta a ira de tiranos alhures, que logo intervêm para debelar ameaças de
igualdade.
As revoluções movidas pela consciência de que existem
exploradores e explorados ─ identificadas com os explorados e solidárias na
busca por uma sociedade mais justa ─ são a luta de classe. Sua inspiração maior
é a constatação das injustiças, e de que a Mãe Terra provê riquezas que, se
compartilhadas, significariam o bem viver para toda a humanidade. A verdadeira
luta de classe promove a inclusão dos excluídos. Uma tarefa desafiadora: a
classe dominante dispõe de todos os recursos para defender seu domínio.
Inclusive os meios de comunicação, que aperfeiçoam ativamente métodos de
alienação, manipulação e doutrinação.
A Páscoa tem algo a ver com a luta de classe? Ora, a Páscoa
não celebra a ressurreição daquele que foi crucificado por representar a luta
contra os opressores e a favor da solidariedade entre os oprimidos? E Cristo
personificou um desafio ainda maior: a revolta dos dominados através do amor,
com paz.
Dois mil anos depois, se hoje Cristo estivesse de novo entre
nós, seria de novo sacrificado. E antes, torturado na prisão de Guantánamo, como
terrorista, ameaça ao sistema.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do
Departamento de Geociências da UEPG