Debates
Plantio Direto: 50 anos do início do sistema que alavancou o Agro Brasileiro
Da Redação | 11 de novembro de 2022 - 01:32
Por Luiz Lonardoni Foloni
Em época de copa do mundo de futebol vale recordar. Em 1970
a seleção brasileira conquistava o tricampeonato mundial de futebol, e havia
uma música que iniciava com: “...90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a
seleção”. Nessa época, apesar de ser um gigante pela própria natureza, um país
continental, o Brasil era um importador de alimentos.
Hoje, o conflito recente da guerra entre Rússia e Ucrânia
desbalanceou a cadeia de insumos agrícolas em nível mundial, comprometendo os
volumes necessários de grãos e por consequência aumentando seus valores. A
segurança alimentar se tornou uma questão de política mundial. Aumentar a
produção de alimentos acendeu a luz vermelha de diversos países. Muitos não
dispõem do recurso terra para sua produção, outros precisam basicamente
aumentar a eficiência do uso do solo e de forma sustentável, o que não é uma
tarefa muito simples.
Historicamente, a primeira revolução agrícola incluiu
a domesticação de trigo, arroz, gado, galinhas e fermento para pão. A segunda
veio com a revolução industrial, a qual possibilitou a mecanização dos serviços
de preparo e plantio. E em uma terceira etapa, impulsionada pelo
desenvolvimento de fertilizantes, defensivos e cultivos de variedades
melhoradas, como as de trigo, muito mais produtivas, a qual se denominou de
“revolução verde”. O feito deu ao engenheiro agrônomo Dr. Norman Borlaug, o
prêmio Nobel da paz em 1970, a tempo de alimentar uma população humana em
expansão. Vivemos tempos de mudanças tão rápidas e constantes que não
refletimos muito sobre os significados dos conceitos que, diariamente, afetam
nossas vidas.
Os novos agricultores brasileiros começaram a aportar por
aqui nos fins dos anos 1800, em virtude da necessidade de substituir a mão de
obra escrava após a abolição. Estes imigrantes, eram na sua grande maioria
descendentes de europeus, onde aprenderam que para o semeio ou o plantio de uma
nova cultura, era necessário o preparo do solo. Este preparo consistia após uma
chuva, no verão, em uma aração profunda para revolver e preparar a cama para a
semente, para efetuar o plantio. Este preparo consome muito tempo de trabalho,
e muitas horas de máquina além de expor o solo ao processo erosivo.
A história nos conta, que no início da década de 60, um
produtor rural americano, Harry Young Jr, no estado do Kentucky, fez o primeiro
plantio sem cultivar o solo. No Brasil, no início dos anos 70, os técnicos da
antiga ICI (Companhia Imperial de Indústria Química do Brasil, hoje Syngenta)
trabalhavam em pesquisa, com o herbicida paraquat, na Fazenda Veseroda, em
Rolândia, onde desenvolviam os primeiros trabalhos de demonstração e extensão
de um novo sistema com agricultores do norte do Paraná. A observação, pelo
agricultor Herbert Bartz, das parcelas de plantio sem preparo inicial do solo,
com a cultura de trigo instalada em Londrina, em 1971, despertou seu interesse.
Em 1972, ele instalou os primeiros cultivos deste novo sistema de plantio na
Fazenda Rhenania, de sua propriedade. Assim, iniciavam os primeiros trabalhos
de uma forma de plantio sem o preparo inicial do solo, chamado de plantio
direto. O preparo do solo é substituído por uma aplicação de herbicidas, que
elimina a vegetação presente, formando uma cobertura morta sobre a superfície,
onde a nova cultura é semeada. Nesta década, vários novos produtos foram
lançados no mercado, entre eles o glifosato, que viriam a facilitar esta
operação. Vários anos foram transcorridos desde a primeira experiência na
fazenda do Bartz, com muita insistência, muita desistência e muita
persistência, até que este novo sistema fosse empregado em larga escala. Este
agricultor pioneiro é hoje reconhecido, merecidamente, como o “pai do plantio
direto no Brasil”.
O sistema de plantio direto (SPD) está
centrado na base tecnológica do não revolvimento do solo (mínima movimentação
na linha de plantio), na rotação de culturas e na presença de cobertura morta
sobre o solo, que minimiza a erosão e, assim, promove a elevação da
produtividade e a sustentabilidade ambiental. Também pode ser definido como um
conjunto de práticas agrícolas no qual a semente é colocada em um sulco no
solo, se possível com a presença de uma cobertura morta, no qual se utilizam
herbicidas para eliminar as plantas daninhas, sem o revolvimento do solo,
tornando-o apto à semeadura da nova cultura, minimizando os riscos de erosão. A
cobertura permanente do solo por plantas ou resíduos de plantas é considerada
um dos fundamentos do SPD, aliás, o que é visto no solo de uma floresta. O
manejo sustentável do solo permite uma série de benefícios, entre os quais as
manutenções da sua qualidade, dos recursos hídricos, da biodiversidade local,
ainda, os ganhos de competitividade, a redução de gastos de tempo de
implantação da nova cultura e de horas máquina necessárias. Por dispensarem o
preparo prévio do solo, possibilitam novo plantio imediatamente após a colheita
da cultura, técnica esta que permite no Brasil tropical, a possibilidade de
plantio de duas a três safras por ano na mesma área, o que ficou conhecido,
como safra de verão, safrinha e safra de inverno.
No Brasil, é ainda comum se criar polêmica, notadamente
contra o agronegócio, como ocorre com os defensivos agrícolas, batizados de
‘veneno’ pelos ativistas ambientais, que desconhecem não só como funciona a
cadeia de alimentos, bem como quais os processos são utilizados para a produção
abundante que mantém a mesa de todos livre de bactérias nocivas à saúde humana.
Deve ser considerado, que em ambientes tropicais, com altas
temperaturas e umidade favorável, como as que ocorrem no nosso país, essas
ameaças à agricultura são frequentes e devastadoras. O uso de defensivos
propicia maior produtividade por unidade de área, a qual resulta no maior
rendimento de uma lavoura. São estes produtos que permitem a implantação e
manutenção de sistemas de plantio direto, bem como cultivo de duas a três
safras ou ciclos agrícolas por ano. Este sim é um uso inteligente do solo, pois
possibilita produzir três vezes na mesma área, dispensando a incorporação de
novas áreas.
Poucos países no mundo conseguem fazer esta proeza. Os sistemas
de produção conduzidos em plantio direto demandam menos infraestrutura e força
de trabalho humano, consomem menos energia fóssil, reduzem a erosão, exigem
menores doses de corretivos e fertilizantes e ainda favorecem o manejo
integrado de pragas, doenças e plantas daninhas. Por isso, ao mesmo tempo em
que propiciam a melhoria da qualidade de solo, água e ar, permite produzir mais
e de forma sustentável, dando ao mesmo tempo, segurança alimentar e
descarbonização e possibilitam o aumento da renda gerada pela agropecuária, de
acordo com levantamento da Embrapa (2020).
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura (FAO), em menos de 30 anos, já, já logo aí, em 2050, a demanda
global de alimentos deverá aumentar em 70%. Assim, deve-se deixar de lado
o discurso ideológico e reconhecer a realidade da nossa agricultura, eficiente
e com respeito ao meio ambiente. Este discurso, irreal, deprecia muito nossa
agricultura e o nosso país no cenário mundial. Os agricultores na verdade são
heróis anônimos na preservação ambiental, protegendo, em suas propriedades,
mais de 20% da área como reserva legal.
Segundo
Carvalho (Agroanalys, 2022), “o agro brasileiro, durante longos anos na
ideologia reinante de experiências sociais, recebia a constante crítica de não
agregar valor nas suas exportações. Exposto à competição, contra protecionismos
e subsídios, o agro cresceu, floresceu e dá os frutos que alimentam a complexa
economia brasileira. No nosso mundo tropical, é o processo de intensificação
dos cultivos que dá o empuxo extraordinário aos ganhos de produtividade e à
melhoria da chamada biota (vida) dos solos tropicais e, ao mesmo tempo, é o que
permite a recuperação de terras degradadas pelo uso de tecnologia adaptada, a
mitigação de emissões de carbono e a geração de emprego e renda descentralizada
no Brasil”.
E hoje, com a próxima copa do mundo de futebol para se iniciar, com uma população de 215 milhões, com o uso de uma tecnologia tropical sustentável aqui desenvolvida pela ciência e com o empreendedorismo e a coragem dos produtores rurais em incorporá-la, o Brasil produz alimentos para mais de um bilhão de pessoas, em pouco mais de 10% de seu território. Dentre estas tecnologias, deve se destacar notoriamente a adoção do “Sistema Plantio Direto”, que ultrapassa os 45 milhões de hectares cultivados, colocando o país como um dos campeões de exportações em diversos segmentos da agricultura, para mais de 150 nações. Os produtores brasileiros, apesar dos contratempos com a dificuldade de disponibilizar os insumos básicos e com preços elevados, demonstram, e continuam demonstrando, a contribuição para a segurança alimentar do País. Vale ressaltar que saímos de uma produção de pouco mais de 40 milhões de toneladas em 1970, em uma área de 30 milhões de hectares, para 300 milhões de toneladas em cerca de 75 milhões de hectares plantados nos dias de hoje. Em um mundo com mudanças climáticas e secas extremas ameaçando a segurança alimentar mundial, aqui, no nosso Brasil, foi um grande salto na história da agricultura, em apenas 50 anos.
Autor é Engenheiro Agrônomo, Mestre em Energia Nuclear na
Agricultura, Doutor em Solos e Conselheiro do CCAS (Conselho Científico Agro
Sustentável)