Debates
Primavera: tempo de renascer
Da Redação | 22 de setembro de 2022 - 00:21
Por Daniel Pereira Guimarães
O ser humano busca entender os fenômenos da natureza desde
os primórdios de sua civilização. Os objetivos iniciais eram entender as épocas
ideais para as práticas da agricultura, e as variações temporais do clima eram
associadas às observações das fases lunares ou dos ângulos de incidência da
radiação solar na superfície terrestre. A contagem do tempo surgiu com a
criação dos calendários, desde aqueles do Egito antigo e da civilização Maia
até os atuais, como o chinês, islâmico, judaico, juliano e o nosso calendário
gregoriano, adotado pela civilização ocidental. Enquanto nosso calendário
indica estarmos no ano de 2022, o calendário judaico informa o ano de 5782
desde a criação do mundo. O início do ano no calendário gregoriano no dia
primeiro de janeiro tem a ver com celebrações pagãs romanas e imposições do
imperador Júlio César (calendário juliano) e do Papa Gregório 13.
O calendário da natureza é um pouco diferente: teve início
há 4,54 bilhões de anos, época do nascimento de nosso planeta, e tem apenas quatro
fases distintas ao invés dos doze meses do gregoriano: primavera, verão, outono
e inverno. Essas fases são definidas pela exposição da superfície terrestre em
relação à incidência dos raios solares. O início da primavera e do outono
ocorre quando a Terra se encontra em posição na qual seus Hemisférios Sul e
Norte ficam igualmente iluminados pelo Sol e as durações dos dias e noites são
iguais, fenômeno denominado de equinócio, que em latim significa
"aequus" (igual) e "nox" (noite). O início do verão e do
inverno ocorre em posições inversas, ou seja, nos solstícios de verão (noites
curtas) e inverno (noites longas), quando o Sol atinge seu maior grau de
afastamento angular em relação à Linha do Equador. Enquanto os calendários
criados pelos humanos sofrem variações longitudinais (Ocidente e Oriente), as
estações do ano possuem variações latitudinais, e são antagônicas, ou seja, o
nosso período de verão corresponde ao inverno no Hemisfério Norte. Mas sempre
começam pela primavera, que em latim significa “primo vere”, ou primeiro verão,
indicando a ocorrência de temperaturas amenas após o frio do período de
inverno, tanto no Hemisfério Sul (primavera austral) quanto no Norte (primavera
boreal). O clima ameno e a chegada das primeiras chuvas operam grandes milagres,
com uma explosiva proliferação de seres vivos.
O anúncio da chegada da primavera é dado ainda no final do
inverno, com o surgimento das flores no meio da vegetação seca e marcada pela
ocorrência de queimadas. Os maiores destaques ficam por conta dos ipês amarelo,
rosa, roxo e branco. No início da primavera, temos como destaques o
florescimento de sibipirunas, jacarandá-mimoso, sucupira-branca, bougainvillea
e a beleza das folhas avermelhadas das sapucaias. A transformação atinge seu
auge com a chegada das primeiras chuvas, induzindo a floração dos cafezais e
das jabuticabeiras, além do retorno do verde nas árvores e na relva. Essas
chuvas contribuem ainda para a remoção dos poluentes atmosféricos, redução da
ocorrência de queimadas e melhoria da umidade relativa do ar. Essas melhorias
nas condições climáticas são essenciais para a reprodução dos seres vivos,
desde a revoada dos cupins e formigas, a metamorfose das cigarras, até o fim da
hibernação dos anfíbios e a época de procriação da maioria das aves e dos
animais, coincidindo com a maior oferta de alimentos na natureza. E tudo
precisa ocorrer com muita pressa. As flores precisam se transformar em sementes
e germinar logo no início da estação chuvosa. O casal de joões-de-barro precisa
iniciar sua casa logo após as primeiras chuvas e terminar quando o período das
chuvas se intensificar. As andorinhas viajam dos Estados Unidos para o Brasil
fugindo do outono-inverno no Hemisfério Norte. A chegada no Sudeste e
Centro-Oeste das aves tesourinhas, vindas da Amazônia, indica a proximidade do
início das chuvas.
Após o longo período de estiagem ocorrido em 2021, as fortes
chuvas que aconteceram nos meses de janeiro e fevereiro de 2022 impactaram na
recuperação dos reservatórios hídricos e no abastecimento dos solos e do lençol
freático e contribuíram para a boa safra agrícola atual. Apesar da previsão de
continuidade do fenômeno La Niña até o final deste ano, as chuvas no Sul do
País foram regulares e chegaram a atingir o Pantanal, com sensível redução nos
focos de queimadas e enorme contribuição para a recuperação do bioma, que foi
severamente castigado no ano anterior.
O equinócio de primavera em 2022 ocorre às 22h04 do dia 22
de setembro (quinta-feira), e os modelos de previsão climática trazem boas
novas:
- Antecipação do início da estação chuvosa nas regiões
Sudeste e Centro-Oeste, com volumes significativos de chuvas na segunda
quinzena de setembro, contribuindo para a recuperação das pastagens com
benefícios para a pecuária (carne e leite), a floração homogênea dos cafezais
(melhoria na produtividade e qualidade dos grãos), a maior disponibilidade
hídrica para canaviais, fruticultura e plantações florestais, e a redução das
temperaturas extremas e da ocorrência de queimadas, além da ajuda na melhoria
da qualidade do ar.
- Tendências de ocorrer chuvas acima da média nas regiões
Norte, Sudeste e Centro-Oeste entre os meses de outubro e janeiro de 2023.
Essa primavera parece que vai ser auspiciosa. Assim seja.
Autor: Daniel Pereira Guimarães (Pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo) Embrapa Milho e Sorgo