Debates
Violência (oculta) contra a mulher
Da Redação | 21 de julho de 2022 - 01:41
Por Ana Travassos
Nos últimos dias nos deparamos com notícias que mais parecem
sair de um mundo distópico ficcional, mas infelizmente elas são reais. Segundo
os dados do Fórum de Segurança Pública Brasileiro de 2021, apenas entre março
de 2020, mês que marcou o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, e dezembro
de 2021, último mês com dados disponíveis, foram 2.451 feminicídios e 100.398
casos de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do gênero feminino.
A Lei Maria da Penha prevê que a violência contra a mulher
pode ser física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Casos como o do
estupro durante cirurgia, feminicídio por ciúmes, agressão em local de trabalho
e tantos outros que se tornaram frequentes nos noticiários são um alerta para a
sociedade de que todas essas formas de violência não podem passar
despercebidas, nem aceitas ou ocultadas.
Como médica, em pronto atendimentos, presenciava com alguma
frequência esses acontecimentos que eram sempre denunciados, mas e os que não
chegam ao conhecimento de alguém que possa fazer esse relato? E as mulheres que
têm medo ou são chantageadas e, por algum tipo de relação de dependência, não
têm como fazer a denúncia?
Também devemos ter consciência que o problema da violência
vai além de fraturas, lesões, hematomas, cortes, sangramentos, feridas e
cicatrizes visíveis. As marcas ‘invisíveis’ podem ser muito mais profundas e
duradouras que as que conseguimos ver. Dados do Ministério da Saúde mostram as
consequências de abusos físicos e psicológicos: mulheres vítimas de violência,
seja física, sexual ou mental, têm um risco de mortalidade oito vezes maior que
o da população feminina geral e 11 vezes mais risco de cometer suicídio.
Só teremos uma sociedade mais justa, segura e com maior
empoderamento feminino quando as pessoas, todas elas, derem um basta nestas
situações e delatarem todas as formas de violência.
Precisamos, como sociedade, ter posicionamento e voz e não
aceitar qualquer tipo de violência. Também vale salientar que a mulheres
violentadas repetidas vezes têm 7 vezes mais chances de morte, de violência
sexual 5,7 vezes e a psicológica 5,4 vezes, daí a importância da denúncia, que
pode ser anônima.
Se queremos um mundo melhor, precisamos começar a
transformação em cada um de nós, pois o mundo não muda sozinho, muda quando
somadas pequenas atitudes. Ela não é fácil e não é indolor, mas se queremos
evoluir, ela é necessária. Precisamos ter a coragem de nos posicionar, de
falar, de dizer não e de não aceitar o que é errado. Entre a escolha do que é
fácil e o que é certo e justo, precisamos escolher o certo.
*Ana Travassos é médica endocrinologista pediátrica e, como
escritora de distopias, é conhecida por Anne C. Beker.