Debates
Certezas e incertezas sobre a jornada de trabalho do motorista profissional
Da Redação | 20 de maio de 2022 - 01:23
Por Henrique dos Santos de Bassi Nogueira
Em 30 de abril deste ano, a Lei que regulamentou a profissão
de motorista completou dez anos. Dentre as novidades, a mais relevante talvez
seja a respeito da jornada de trabalho do motorista profissional, em especial a
obrigatoriedade de controle. Apesar da lei ter sofrido algumas alterações em
2015, tal obrigatoriedade permaneceu intacta. Mesmo assim, passada uma década
de tal marco legislativo, alguns tópicos sobre a jornada dos motoristas
profissionais continuam a aquecer as discussões nos Tribunais da Justiça
Trabalho, ao passo que alguns outros conceitos já estão bem sedimentados.
Um dos pontos já quase que pacificado em nossos tribunais
está a obrigatoriedade de haver o registro fidedigno da jornada de trabalho e
tempo de direção por meio “de diários de bordo, papeleta ou ficha de trabalho
externo, ou por meio de registros eletrônicos instalados nos veículos” (art.
2º, V, b, da Lei nº 13.103/2015). A jurisprudência vem consolidando no sentido
de que as empresas não podem cogitar a dispensa de tal controle (e,
consequentemente, de eventual pagamento de horas extras) sob a justificativa de
que a atividade do motorista é externa e não há como ser controlada (art. 61,
I, da CLT).
Outro pronto reiteradamente decidido, inclusive pelo
Tribunal Superior do Trabalho (TST), é no sentido de que o simples fato de o
motorista realizar seus horários de descanso dentro do veículo não se faz
presumir que estivesse de sobreaviso, ou seja, à disposição de seu empregador.
Nesse sentido, a maior parte dos julgados observam como sendo do empregado o
ônus de comprovar que efetivamente estivesse à disposição do empregador de modo
a estar impedido de assumir atividades pessoais não relacionadas ao
trabalho
Entretanto, algumas outras decisões dos Tribunais Regionais
do Trabalho (TRT) conflitam entre si, causando dúvidas a respeito da aplicação
das Leis em comento.
Em relação ao denominado “tempo de espera”, o parágrafo 8º
do Art. 235-C da CLT (incluídos pela Lei nº 12.619 /2012) dispõe expressamente
que este compreende “as horas em que o motorista profissional empregado ficar
aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do
destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em
barreiras fiscais ou alfandegárias”, dispondo expressamente que este tempo não
deve ser computado como jornada de trabalho e nem como horário extraordinário
do motorista.
Ainda, o parágrafo 9º do mesmo artigo também é expresso e
literal ao descrever que as horas do tempo de espera devem ser “indenizadas na
proporção de 30% (trinta por cento) do salário-hora normal”, ou seja, apesar de
não serem computadas para efeito de jornada ou horas extras, esse interregno
gera o direito a uma indenização parcial em relação à hora normal de trabalho
do motorista, sem reflexos nas demais verbas. Porém, apesar de tais disposições
serem bem claras e expressas na Lei, ainda existem alguns órgãos da Justiça do
Trabalho que entendem pela não aplicação de tais dispositivos.
A título de exemplo, a 2ª Turma do TRT da 4ª Região, ao
decidir nos autos do processo nº 00200540620175040761, expôs entendimento no
sentido de não reconhecer diferença entre “tempo de espera” e “horas extras”,
dando provimento parcial a recurso do empregado para determinar que as horas
permanecidas em tempo de espera (carregamento e descarregamento) sejam
remuneradas como horas extras acrescidas do adicional de 50%, com integrações
nas demais verbas salariais.
Outro ponto que suscita interpretações divergentes nos
Tribunais Regionais do Trabalho é a utilização ou não do tacógrafo como meio de
aferição e fixação da jornada de trabalho do motorista empregado, muito embora
exista entendimento jurisprudencial do TST dispondo que apenas esse
equipamento, sem outros elementos, não serve para efeito de controle de jornada
(OJ nº 332 da SDI-1 do TST). Ainda assim, a 9ª Turma do TRT da 3ª Região, nos
autos do processo de nº 00106461820155030040, entendeu que a jornada do
motorista “era apurada com base em tacógrafos”, mas indeferiu o pleito de horas
extras por estas já terem sido quitadas com base nas apurações do equipamento.
De outro lado, a 3ª Turma do TRT da 6ª Região condenou a empregadora ao
pagamento de horas extras, nos autos da ação nº 00000178820155060011, pois “os
horários, de início e término do labor, constantes nos discos tacográficos,
representam, efetivamente, a jornada de trabalho do Reclamante”.
Outro exemplo de incerteza em relação à aplicação das normas
dispostas na Lei em comento é sobre o fracionamento do intervalo interjornada
de 11 horas do motorista profissional, que foi expressamente permitido pelo
art. 235-C, § 3º, da CLT, desde que respeitado o período mínimo de 8 horas
ininterruptas do primeiro período de concessão, e a fruição das demais 16 horas
subsequentes.
Porém, o TRT da 3ª Região entendeu pela
inconstitucionalidade de tal artigo, chegando até a editar uma Súmula, de nº
66, que a justifica “por violação ao princípio da vedação do retrocesso
social”.
Assim, em que pese outros Tribunais como o da 2ª (São Paulo)
e da 4ª (Rio Grande do Sul) Regiões entendem pela aplicação do dispositivo,
desde que respeitadas as limitações impostas, o Tribunal de Minas Gerais (TRT3)
entende, como exposto na decisão proferida pela 5º Turma, em 05/03/2020 nos
autos do processo nº 00116883820175030071, que entende pela aplicação da Súmula
Regional, confirmando a condenação de origem da empresa reclamada ao
pagamento como extras as horas suprimidas da pausa interjornada mínima de onze
horas.
Logo, tomando por exemplo os julgados e entendimentos acima
expostos, é importante que as empresas de transporte e logística se atentem
que, apesar de ser fato concreto e estabelecida a obrigação de manterem um
controle expresso e fidedigno dos horários de seus empregados, ainda há a
necessidade destas estarem atentas às demais peculiaridades legais sobre a
jornada do motorista profissional e, em especial, analisarem conforme a sua
área de atuação quais eventuais entendimentos divergentes da Lei podem acabar
encontrando nos Tribunais Regionais do Trabalho, a fim de que possam analisar
ser mais proveitoso se adequarem às diversas interpretações da Lei ou, então,
se prepararem para apresentar defesas e teses robustas que permitiram a
discussão futura no âmbito do TST de tais aplicações divergentes da Lei, a fim
de se garantir a correta e uniforme aplicação desta, que já conta com 10 anos
de existência.
*Henrique dos Santos de Bassi Nogueira, sócio da área
Trabalhista do FAS Advogados