Debates
Ensino domiciliar ainda não funciona no Brasil
Da Redação | 07 de dezembro de 2021 - 01:25
Por Thiago Zola
Ao caminhar para o 2° ano da pandemia –
muito mais controlado agora que o Brasil atingiu mais da
metade da população totalmente imunizada e
com muitos adolescentes tendo já tomado ao menos a primeira dose da
vacina – a educação ainda enfrenta enormes dificuldades e pais,
professores e estudantes são desafiados a cada dia. Com o retorno presencial –
obrigatório em alguns estados – vamos, aos poucos, voltando à
condição de normalidade, ou próximo a isso. No entanto, a batalha contra
covid-19 ainda não foi vencida e precisamos nos manter alerta e com todos os
cuidados que já conhecemos tão enfaticamente.
Ainda não há estudos ou dados oficiais que confirmem,
em números e estatísticas, todos os prejuízos advindos da pandemia, ao mesmo
tempo em que previsões sobre o fim dela são inconclusivas, já que pode haver
novos desfechos, como aumento de contágio ou surgimento de novas cepas. O
que já sabemos é da extrema importância em agir imediatamente e coordenar
ações para mitigar todas essas perdas, que foram ainda maiores e mais
impactantes para alunos pobres, por enfrentarem, além de todo o contexto da
pandemia, problemas como falta de acesso à internet e equipamentos para
acompanharem as aulas remotas.
Um relatório internacional da Unesco revelou que escolas
mundo afora ficaram, em média, por 29 semanas fechadas por conta da pandemia,
enquanto o Brasil permaneceu por 40 semanas e, ainda hoje, diversos municípios
não conseguiram voltar à normalidade. Um dos principais motivos
é a falta de estrutura para seguir os protocolos sanitários, como manter o
distanciamento mínimo entre alunos e até mesmo fazer a limpeza adequada em suas
instalações. Quando falamos de alfabetização, os índices tampouco são
satisfatórios. Segundo o último levantamento do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb), só 49% dos estudantes de ensino fundamental,
no segundo ano, foram considerados alfabetizados.
Todas essas dificuldades aumentaram a evasão escolar, que,
segundo a Unicef, já era preocupante no Brasil: 5 milhões de estudantes,
sobretudo da rede pública, responsável por atender 80% desse contingente,
estavam fora da escola e que, na pandemia, teve o expressivo aumento de 5% no
ensino fundamental e 10% no ensino médio. São alertas para a necessidade de
integrar políticas públicas que visem a equidade na educação. Isso porque 96,7%
de jovens de até 16 anos mais ricos concluíram o ensino fundamental, enquanto
entre os mais pobres, o índice não passa de 78%. Os dados são do Anuário
Brasileiro da Educação Básica de 2021.
Mas, ainda que falho e com muitas intempéries, é
preciso reconhecer que o ensino remoto tem sido, ao longo desses últimos
meses, a única via de acesso à educação, dos mais aos menos abastados. Por isso
é tão importante que todas as esferas do governo estejam alinhadas para agir em
prol da educação, seja levando internet e equipamentos para os que ainda não
têm, ou promovendo treinamentos e qualificação aos professores,
integrando tecnologias educacionais para transformar a escola em um
ambiente contemporâneo, que converse com novos recursos, mas que não seja
excludente.
Em um país cujas dimensões são continentais, como o Brasil,
o recorte por regiões é fundamental para avaliar os principais entraves, mas
também os avanços obtidos e, a partir daí, desenhar as melhores
estratégias. Em algumas localidades, isso já vem acontecendo. Tanto é que
tivemos notícias de cidades que estão fazendo a chamada busca ativa:
professores e demais agentes ampliaram o contato com alunos que, por
alguma razão, não estavam mais frequentando a escola, em muitos casos
chegando até as próprias residências deles, para que retornassem às salas de
aula.
Desde que as aulas foram suspensas até agora, quando os
estudantes já retornaram às escolas, o debate sobre o ensino
domiciliar vem ganhando força e, embora não seja atualmente
permitido no Brasil, já existem discussões avançadas, com projetos de
lei em tramitação. É importante lembrar que, mesmo aprovada, a modalidade
exigirá uma série de condições, como aulas com profissionais, matrícula em
rede estadual ou municipal, além de avaliações periódicas e do conteúdo
pedagógico de acordo com a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC).
Mas será que realmente faz sentido debatermos sobre a
aprovação do ensino domiciliar, em um momento repleto de desafios e que nos
mostram o enorme abismo social do País, que dificulta ou impossibilita o
acesso à internet para milhares de jovens e crianças? Para além de todas
essas dificuldades, é fundamental avaliar a importância do convívio entre os
pares, que somente a escola proporcionará, bem como vivências que contribuem
para a resolução de problemas, cooperação, respeito às diferenças e
desenvolvimento de habilidades socioemocionais que atualmente já estão implícitos
em inúmeras propostas da própria BNCC.
Em meio à tantas desigualdades e
problemas educacionais como nível insuficiente
na alfabetização de crianças, evasão escolar, além dos danos
comportamentais, relatados por milhares de pais e familiares, é preciso
lutar por uma educação que abrace cada vez mais crianças e
jovens e que transforme a realidade deles. E esse caminho começa a
ser trilhado nas escolas, presencialmente, com a relação fundamental entre
aluno, professor e todos os atores da comunidade escolar, mirando um futuro
menos excludente e que ofereça oportunidades para todos. Mas para que isso
aconteça, é urgente que políticas públicas assegurem o acesso
irrestrito à educação, assim como determina a Constituição
Federal, e mais que isso, que acompanhe e avalie sua efetividade em
todas as camadas da sociedade.
*Thiago Zola é professor, mestre em educação, especialista
em psicologia da educação e palestrante com experiência no desenvolvimento de
metodologias e soluções educacionais voltadas para Educação Básica na Mind Lab.