Debates
Estamos todos saindo da UTI?
Da Redação | 02 de dezembro de 2021 - 00:55
Por Jarbas da Silva Motta Junior
Há 13 anos, passo um grande pedaço do meu dia em um ambiente
que, infelizmente, passou a fazer parte da história de muitas famílias a partir
do ano passado: a Unidade de Terapia Intensiva. Talvez os significados das
palavras desse nome nunca fizeram tanto sentido. Unidade de profissionais que
não fazem nada sozinhos, que precisam uns dos outros tanto para as ações
“operacionais” como para virar um paciente de bruços ou para discutir os
procedimentos cada vez mais multidisciplinares. Terapia atualizada e individualizada
com uma rapidez jamais vista, graças à agilidade e ao esforço da ciência. E
intensiva em todos os detalhes.
Nas últimas semanas, esses ambientes estão diferentes do que
vivenciamos ao longo de quase 20 meses. Vemos as altas de pacientes sem que
seus leitos sejam imediatamente ocupados por outros e novos - e em determinado
momento da pandemia, literalmente, cada vez mais novos - pacientes. Em alguns
dias, deixamos inclusive de ter casos ativos de covid-19. Isso significa que,
pela primeira vez, em mais de 500 dias, não havia pacientes com potencial de
transmissão da doença. Para os profissionais de saúde esse é um marco que nos
emociona e enche de esperança.
Ao olhar os leitos vazios, não podemos nos esquecer da
trajetória até aqui. Uma realidade que nem os mais experientes profissionais
estavam preparados. Foram dias em que precisamos encarar como principal desafio
manter o paciente vivo para que o próprio corpo pudesse ter forças para
combater o coronavírus. E, para isso, recorremos a procedimentos complexos. Em
algumas instituições, o uso da ECMO, por exemplo, chegou a ser nove vezes mais
frequente do que antes da pandemia. O aparelho que funciona como coração e
pulmão artificial representou novos suspiros para muitos homens e
mulheres. Já as diálises, ainda no leito de UTI, cresceram quase 60%.
O médico intensivista reconhece o seu papel como divisor de
águas no tratamento de um paciente. A entrada dele em ação deve ser precisa no
momento em que o quadro do paciente se agrava e que pode ser irreversível sem
esse suporte. E assim, também ser o momento da saída. Mas talvez essa definição
nunca foi tão nebulosa quanto na covid-19. Como doença sistêmica e
imprevisível, em cada paciente ela agia de uma forma. E foi a união entre
assistência e pesquisa que nos deu o suporte para seguir.
Em muitos momentos, tivemos que lutar com os braços que
tínhamos. E eles eram escassos de norte a sul do Brasil. Apenas 1,6% dos
médicos brasileiros registrados são intensivistas. A Associação de Medicina
Intensiva Brasileira (Amib) estima que o país precisaria ter, pelo menos, cinco
vezes mais profissionais da área para atender toda a demanda de leitos de UTI.
A matemática deixa claro o cansaço, mas as súplicas para voltar da intubação
escancaram o peso que esses braços carregaram.
No início, observamos como a doença se comportava e
compartilhamos conhecimento com o mundo. Agora, experimentamos os resultados
desse movimento, que passa a ser coletivo. Vacinas em tempo recorde, adesão da
população e a esperança de volta.
As ligações para as famílias e as longas semanas - até
meses - de internamento nos aproximaram de cada um que venceu ou perdeu essa
luta. Lidamos como uma tragédia social e humanitária e, apesar de acreditarem
que somos heróis, sairemos dela mais humanos.
*Jarbas da Silva Motta Junior, médico intensivista e
coordenador da UTI do Hospital Marcelino Champagnat