Debates
Mudanças do IR mexem na carga tributária e aposentadorias?
Da Redação | 14 de outubro de 2021 - 00:31
Por Joaquim Levy
Várias perguntas surgem das mudanças no Imposto de Renda da
Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Pessoa Física (IRPF) propostas pelo governo no PL
2337/21 de final de junho e alteradas na Câmara de Deputados em setembro. A
carga tributária vai diminuir ou ser melhor distribuída? Quais seus efeitos nas
empresas e nas contas públicas?
As perguntas sobre o IRPJ não surpreendem, porque o imposto
arrecadou mais de R﹩ 170 bilhões em 2020 e pode
passar de R﹩ 200 bilhões em 2021. Perto
da metade dessa arrecadação vai constitucionalmente para Estados e municípios.
A Câmara aprovou a queda da alíquota do IRPJ dos atuais 15%
para 8%, mantendo a alíquota adicional de 10% para os lucros que ultrapassem R﹩ 20 mil mensais. Em contrapartida, a distribuição
de rendimentos da empresa através dos Juros sobre Capital Próprio (JCP)
desapareceria, eliminando uma dedução do lucro tributável existente desde 1995.
Os cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado apontam que a
arrecadação do IRPJ cairia em cerca de R﹩
50 bilhões ao ano com a queda da alíquota, e engordaria em R﹩
6 bilhões em 2022 e em R﹩ 13 bilhões a partir de 2023
com o fim do JCP.
A proposta de mudança do IR também prevê a tributação em 15%
dos dividendos, hoje isentos. Mas, nem toda distribuição de dividendos seria
taxada, sendo mantida isenta aquela de rendimentos das empresas no Simples
Nacional e das empresas sob lucro presumido com faturamento de até R﹩ 4,8 milhões. Também seriam excetuados os
rendimentos pagos a integrantes do mesmo grupo econômico ou operando sob o
regime de patrimônio de afetação, e aqueles a entidades de previdência
complementar ou imunes por força constitucional.
Considerando as exceções à tributação dos dividendos e as
ações que as empresas mais atingidas pelas mudanças tomariam para diminuir o
pagamento de impostos, a IFI estima que a tributação dos dividendos pagos no
Brasil poderia trazer R﹩ 9 bilhões ao governo em
2022 e R﹩ 30 bilhões a partir de
2023. Segundo a Receita Federal, tributar os dividendos pagos no exterior
(remessa de lucros) geraria outros R﹩ 3 bilhões em 2022 e R﹩ 8 bilhões a seguir.
As contas acima indicam uma perda de receita do governo de R﹩ 32 bilhões em 2022 e neutralidade na arrecadação
nos anos seguintes. Mas, a redução do IRPJ só vai ocorrer a partir da instituição
do adicional de 1,5% da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais (CFEM) em benefício dos estados e municípios. Esse aumento, que não
afeta o garimpo artesanal, levantará R﹩ 6 bilhões, segundo a IFI. O
que deixará o governo no lucro com as mudanças propostas.
Considerando que a alíquota cairá para todas as empresas
fora do Simples e que a distribuição de dividendos por muitas delas continuará
isenta, a neutralidade na arrecadação pede que a carga tributária suba para as
empresas cujo dividendo será taxado, e ainda mais para aquelas que perderam a
dedutibilidade do JCP.
A troca do IRPJ pelo CFEM deve ter um impacto heterogêneo e
talvez surpreendente. Ao compensar a eventual queda do valor da quase metade do
IRPF transferida para os Entes mais pobres (via FPE e FPM) tributando a
mineração, ela tende a prejudicar estados como Pará que arrecadam pouco IRPF e
têm muita mineração, em favor daqueles que tem uma economia mais diversificada.
A Câmara também propôs reduzir a alíquota da CSLL, desde que
certas vantagens tributárias fossem cortadas, o que também pode aumentar a
carga tributária, mesmo que a arrecadação da CSLL caia em até R﹩ 11 bilhões ao ano como estimado pela IFI.
A CSLL é uma contribuição social parecida ao IRPJ, mas cuja
receita é apenas da União. O texto da Câmara condiciona a redução da sua
alíquota em um ponto percentual à descontinuação do crédito presumido concedido
aos produtores e importadores de medicamentos e à tributação de numerosos
produtos farmacêuticos e químicos usados na área da saúde. A primeira mudança
renderia R﹩ 10 bilhões ao governo e a
segunda R﹩ 4.5 bilhões, segundo a
Receita Federal. Uma terceira, tributando o gás natural usado na produção de
energia elétrica, traria mais R﹩ 1 bilhão. As três condições
juntas fariam a carga tributária subir R﹩
16 bilhões, acima do alívio dado pela eventual queda na alíquota da CLLS. Elas
devem também impactar a inflação dos remédios e da luz elétrica ao, por
exemplo, adicionar até 13% de imposto sobre o custo dos medicamentos ou GNL
importados.
O projeto de lei também prevê a atualização da tabela do
imposto de renda da pessoa física (IRPF), o que não ocorria desde 2015. Essa
atualização procura compensar de tempos em tempos o aumento do imposto pago
quando os salários sobem com a inflação e as faixas do imposto continuam fixas.
Apesar de estar no mesmo projeto, ela não é uma mudança estrutural como as
mudanças das alíquotas do IRPJ, tributação do dividendo, etc.
A Lei de Responsabilidade Fiscal não exige medidas
específicas de compensação à atualização da tabela do IRPF exatamente porque a
arrecadação do governo também tende a subir com a inflação, neutralizando o
impacto fiscal da correção das faixas. No projeto atual, aliás, o ajuste
devolve ao contribuinte menos do que a sua perda por conta dos mais de 30% de
inflação do IPCA acumulados desde 2015.
Apenas a primeira faixa de renda da tabela do IRPF subiu
perto da inflação, enquanto as faixas mais altas foram ajustadas em apenas 13%.
Assim, quem ganha 3 salários mínimos continuará pagando mais imposto em termos
reais do que em 2015.
A carga tributária sobre muitos trabalhadores também subirá
em relação a 2015 porque o teto do desconto padrão de 20% aplicável à renda
tributável encolheu em 37%. Ele passou de R﹩
16.154,34 para R﹩ 10.563,60, também afetando
quem recebe mais de 3 salários mínimos. Por exemplo: um assalariado que recebe
6 salários mínimos irá pagar R﹩ 1.600,00 (1.5 salários mínimos)
a mais de imposto por ano, além de não ter sido beneficiado pela atualização
das faixas do imposto.
As perdas com a correção da tabela do IRPF e redução do desconto
padrão valem principalmente para quem tem renda do trabalho, como salário de
carteira assinada ou aposentadoria do INSS, em contraste com quem opera como
"empresário", inclusive terceirizado. Por exemplo: quem recebe um
salário de R﹩ 10 mil por mês ou o teto da
aposentadoria do INSS pagará R﹩ 1,5 mil a mais de imposto
por ano. Porém, nada muda para o sócio de uma empresa do Simples, e o sócio
principal de uma empresa de serviços profissionais com faturamento de R﹩ 3 milhões sob lucro presumido poderá receber um
bônus de R﹩ 65 mil com o texto atual da
Câmara.
No balanço, as mudanças do IR trazidas para o Senado
aumentam a carga tributária e têm efeito incerto sobre o investimento e a
eficiência da economia. Elas devem onerar o trabalho assalariado sob a CLT em
relação a outros arranjos, como, por exemplo, a provisão de serviços
profissionais que exijam formação técnica ou acadêmica por sócios de uma
empresa sob lucro presumido e receita de até R﹩4.8
milhões.
O efeito no investimento é ambíguo porque tornar a
distribuição de dividendos mais cara pode estimular a substituição de capital
por dívida. O resultado seria a maior alavancagem das empresas, sem aumentar o
investimento, mas diminuindo a resiliência empresarial em um ambiente
macroeconômico volátil.
A proeminência no projeto de dispositivos lidando com
eventual distribuição disfarçada de lucros (toda a seção II do capítulo II) e
outros possíveis artifícios sugere o aumento de ineficiências e contenciosos na
esteira da tributação dos dividendos.
O PL inclui ainda diversas medidas operacionais cujos
efeitos não têm sido discutidos em detalhe. A pretendida uniformização da base
de cálculo do IRPJ e CSLL (seção V, capítulo III), por exemplo, pode
simplificar a vida das empresas e merece destaque por ajudar a evitar que o
Brasil vá na contramão da decisão da OCDE de impor um piso de 15% para
tributação do lucro das empresas. Mas ela pode também alterar a carga
tributária, o que precisa ser melhor analisado.
O impacto da tributação dos medicamentos nos idosos também
merece ser mais estudado. Assim como o efeito da mudança do CFEM na economia de
estados onde a mineração em grande escala é importante e passará a ser mais
onerada.
São talvez considerações como as esboçadas acima, além da
dúvida de que pela ótica da LRF a tributação dos dividendos seja necessária
como medida de compensação à correção imediata dos benefícios do Bolsa Família,
que motivaram o relator do projeto no Senado a dizer que sua votação requer
tempo para que a sociedade entenda e avalie corretamente os impactos de
mudanças que são amplas e complexas.
Joaquim Levy é ex-ministro da Fazenda e atual diretor de
Estratégia Econômica e Relações com os Mercados do Banco Safra.