Debates
A salvação não vem pelo distrito
Da Redação | 08 de julho de 2021 - 01:44
Por Ana Carolina Contin Kosiak
A reforma política bate à porta, e as articulações, os
atropelos e as pressões para acelerar as votações no plenário do Congresso têm
um novo alvo: o voto distrital. Sem muitas definições, já que a própria
relatora da PEC da Reforma Política, deputada federal Renata Abreu
(Podemos/SP), disse que “ainda não tem certeza do que haverá no texto”, a
intenção é a de alterar a forma de eleição dos candidatos e candidatas,
passando do modelo proporcional para o modelo majoritário. Ao contrário do que
se defende, trata-se de um tema bastante complexo que não é capaz de solucionar
os problemas relativos ao processo eleitoral brasileiro.
O desejo de mudança do sistema político vigente no país é
justificado pelo profundo descrédito da classe política e pelo desinteresse
pelas disputas eleitorais, que culminam em uma crise de representação política.
Nesse cenário, as intenções reformistas buscam resolver os problemas
existentes aplicando medidas “salvadoras” – nem de longe simples–, sem
pensar nos efeitos colaterais que podem provocar.
Quem defende o voto distrital argumenta que eleições
em distritos menores e com poucos candidatos permitiriam uma maior aproximação
entre eleitores e candidatos. No entanto, essas alegações não possuem
comprovação empírica. Nada garante que a proximidade geográfica resultaria em
maior cobrança e fiscalização por parte da população ou que a proximidade
implicaria em maior efetividade das intenções políticas. Tal situação poderia
contribuir, em seu turno, para que os políticos se protejam em distritos cada
vez menos competitivos, com objetivo de fácil eleição e reeleição.
Além disso, a separação em distritos eleitorais daria um
poder ainda maior às lideranças partidárias, o que reduziria a renovação na
política, já que os candidatos mais conhecidos seriam privilegiados e teriam
mais chances de vitória. É o reforço à intensificação do clientelismo e do
fortalecimento das oligarquias locais. Essa condição vai totalmente
contra o que o discurso dos entusiastas da reforma política mais defende: renovação
e alternância do poder.
A propaganda do voto distrital também se relaciona com o
cenário internacional. Referências ao Reino Unido e aos Estados Unidos são
sempre enaltecidas, com a utilização desses contextos como argumento de
autoridade. A venda da eficácia desse sistema político nos traz a impressão de
que esse critério tornaria o Brasil um país também desenvolvido.
Entretanto, importante sempre ressaltar que o sistema
eleitoral não é definidor da sociedade e que seu sucesso em um país não significa
que outro terá a mesma experiência. Nos últimos anos, por exemplo, uma série de
países abandonou o voto distrital puro, e apenas um (Madagascar) deixou o
sistema proporcional.
O voto distrital também traria consequências negativas à
representatividade, uma vez que limitaria (ou excluiria) a representação das
minorias. O esforço coletivo, o pluripartidarismo e a diversidade ideológica
correriam risco de ficar à margem do sistema político. Nesse sentido, o
benefício oferecido pelo sistema proporcional, que deve ser mantido, é a
garantia da pluralidade política e da ampliação da representatividade,
especialmente com o reconhecimento da importância das minorias no debate
político.
Dito isso, importante ressaltar que não há relação direta
entre a escolha de um sistema eleitoral e a qualidade da democracia: deve-se
reconhecer que é justamente no campo do dissenso, da disputa, do debate, que
ela se fortalece.
Mudanças nos arranjos políticos de países democráticos são
desejáveis e contribuem para o fortalecimento da cultura democrática e de
participação política. O que não pode é disfarçar o interesse de alguns setores
que vendem a reforma política como “salvadora”, mas que ignoram seus efeitos
colaterais e preferem aprová-la com urgência, quase como um chamado à sua
sobrevivência, como na “velha política”.
*Ana Carolina Contin Kosiak, advogada, mestre em História
(UFPR) e mestranda em Direito na Universidade Positivo (UP).