Debates
Direito de culto ou direito à vida? Eis a questão
Da Redação | 07 de abril de 2021 - 02:43
Por Marcelo Aith
Mais uma decisão monocrática de um ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) criou uma enorme polêmica no mundo jurídico. Em meio ao
pior momento da pandemia da Covid-19 no país, o ministro mais jovem da Corte,
Kassio Nunes Marques, decidiu no último sábado (3) (sábado de Aleluia), que
igrejas e templos poderiam abrir as portas para a realização de celebrações
religiosas, seguindo o limite de 25% de capacidade do público. Assevere-se que
a decisão contrariou as medidas de alguns estados e municípios que determinaram
a suspensão temporária de eventos com aglomerações presenciais. A decisão do
ministro Kassio está na contramão de decisões recentíssimas do plenário da
Corte Suprema que, entre outras, reconheceu autonomia dos governadores e
prefeitos para decretarem medidas de isolamento para o combate à doença.
Nunes Marques julgou a liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) impetrada pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos
(Anajure), que sustentou que a suspensão dos cultos e missas viola o direito
fundamental à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal. O
ministro pontuou que a atividade religiosa é essencial, senão vejamos:
“Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que
vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis,
mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa,
responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto
espiritual”. Observou ainda o Ministro Nunes Marques: “Estamos em plena Semana
Santa, a qual, aos cristãos de um modo geral, representa um momento de singular
importância para as celebrações de suas crenças — vale ressaltar que, segundo o
IBGE, mais de 80% dos brasileiros declararam-se cristãos no Censo de 2010”.
Nunes Marques destacou, ainda, que diversas atividades
essenciais continuam durante a pandemia, como o transporte coletivo,
supermercados, farmácias, postos de gasolina, etc., fato que evidencia a
inadequação de não permitir a celebração dos cultos e missas.
Asseverou Nunes Marques, ao destacar que a Constituição
assegura o livre exercício dos cultos religiosos, que “A lei, decreto ou
qualquer estatuto que, a pretexto de poder de polícia sanitária, elimina o
direito de realizar cultos (presenciais ou não), toca diretamente no disposto
na garantia constitucional”.
A decisão de Nunes Marques ganhou ainda mais destaque com a resposta imediata
do prefeito de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Alexandre Kalil (PSD)
que ameaçou não seguir a decisão do ministro, com a seguinte mensagem nas
redes sociais: “Em Belo Horizonte, acompanhamos o Plenário do Supremo Tribunal
Federal. O que vale é o decreto do Prefeito. Estão proibidos os cultos e missas
presenciais”. Entretanto, após uma série de idas e vindas, Kalil decidiu e
informou nas redes que iria obedecer a decisão do novo ministro do STF.
E nesta segunda-feira, dia 5, o tema continuou quente com a
negativa do Ministro Gilmar Mendes, em pedidos do Conselho Nacional de Pastores
do Brasil e do PSD, para derrubar o decreto do governo de São Paulo que vetou
atividades religiosas coletivas presenciais durante as fases mais restritivas
do plano de combate ao coronavírus. Porém, diversamente a Nunes Marques, Gilmar
Mendes, após indeferir a liminar nas referidas ações, afetou, com urgência, a
matéria ao Plenário da Corte Superior, objetivando uniformizar a questão. Tudo
indica que será posta em votação na próxima quarta-feira (7) no plenário do
STF.
Ressalte-se que o Ministro Gilmar destacou que “Em um
cenário tão devastador, é patente reconhecer que as medidas de restrição à
realização de cultos coletivos, por mais duras que sejam, são não apenas
adequadas, mas necessárias ao objetivo maior de realização da proteção da vida
e do sistema de saúde”. Gilmar Mendes destacou ainda que em “Uma ideologia que
nega a pandemia que ora assola o país, e que nega um conjunto de precedentes
lavrados por este Tribunal durante a crise sanitária que se coloca”.
Gilmar avançando na análise disse que “As medidas impostas
foram resultantes de análises técnicas relativas ao risco ambiental de contágio
pela covid-19 conforme o setor econômico e social, bem como a necessidade de
preservar a capacidade de atendimento da rede de serviço de saúde pública”.
As decisões indicam uma guerra de narrativas a serem
esclarecidas no Plenário e estão a causar uma verdadeira insegurança jurídica
em questões que já pareciam pacificadas na Corte. Cumpre relembrar que a Corte
por duas oportunidades reconheceu que estados e municípios, juntamente com a
União, são responsáveis pela gestão da saúde pública no país, sendo certo que
locais são autônomos para a regulação da vida de seus munícipes, obviamente
dentro dos parâmetros da constituição, em especial, dos direitos fundamentais.
Ademais, não se pode olvidar que a Lei 13.979/2020, editada para regulamentar
as atividades durante a pandemia da Covid-19, permite que estados e municípios,
dentro de suas competências, possam restringir atividades, com escopo de
salvaguardar vidas.
Por fim, tenho sérias dúvidas em relação a legitimidade da
Associação Nacional de Juristas Evangélicos para o manejo da ADPF cuja liminar
foi decidida monocraticamente pelo ministro Kassio Nunes Marques.
Nesse momento o que vale mais: direito de culto ou direito à
vida? Com a palavra, novamente, o Supremo Tribunal Federal!
Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e
professor convidado da Escola Paulista de Direito (EPD)