Debates
Desgoverno verde oliva
Da Redação | 30 de março de 2021 - 02:33
Por Francis Ricken
Vivemos a ilusão de que as Forças Armadas são a solução para
os problemas mais profundos de nossa sociedade. A ideia, que nos atormenta há
alguns anos, é fruto de períodos nebulosos da nossa história política e da
falta de debates razoáveis sobre o tema. Uma demonstração dessa falácia foi a
eleição de Jair Bolsonaro e a tática utilizada por seu governo, em substituir,
de forma sistemática, cargos políticos e técnicos por militares de alta patente
sem competência razoável para conduzir os destinos de qualquer área se não as
militares. A solução é o elixir mágico encontrado pelo presidente e
compartilhado por uma parcela razoável da população que acredita seriamente que
as Forças Armadas sejam a última novidade em solução de problemas ou o local de
depósito de mentes brilhantes. Infelizmente, devo dizer que essa é uma visão
obsoleta e compartilhada por ditaduras ultrapassadas que têm fé na ideia de que
as Forças Militares são isentas de erros e detentoras de competência ímpar.
É impensável considerar que alguém que serviu durante toda a
vida às Forças Armadas, nunca tendo contato com o mundo profissional, exceto
dentro das estruturas militares, seja capacitado a gerenciar questões complexas
e alheias ao mundo militar, como é o caso da presidência da Petrobrás. Outra
situação que me assusta é que boa parte dos cargos de importância dentro da
estrutura de governo é composta de pessoas que têm baixo ou zero contato com o
mundo político, como se tivéssemos criado uma realidade paralela no Brasil, na
qual ser militar ou ter passado pelas escolas militares condiciona o indivíduo
a ser competente para tudo.
Essa falácia se espalha pelas políticas públicas de governo,
como o incentivo do Governo Federal na criação de escolas cívico-militares
pelos Estados, considerando que “disciplina” e apego a símbolos pátrios seja
requisito essencial para uma educação avançada no século XXI. Não precisamos
inventar a roda e acreditar em falsos dilemas para termos um bom governo, assim
como me parece muito estranho dar a condução da educação de jovens para
militares, simplesmente porque eles se consideram o suprassumo de uma sociedade
que merece políticas públicas eficientes e sérias.
Fica evidente que as Forças Armadas entraram de cabeça no
Governo Bolsonaro e não se ressentem de estar à frente das principais decisões
políticas implementadas nesse governo, o que debita na conta de uma estrutura
de Estado muitos erros e um papel político desnecessário. Um exemplo claro
disso é a condução do Ministério da Saúde durante a pandemia, afinal, não
podemos afirmar, nem com toda conivência existente, que o General Pazuello é um
Ministro da Saúde minimamente razoável. A desastrada administração do
ministério com a incapacidade na condução de uma política nacional de
vacinação, a falta de aquisição de insumos básicos para uma pandemia, a
desorientada gerência e a logística para a distribuição das poucas vacinas
adquiridas, colocaria o cargo do General em xeque em qualquer organização
minimamente séria pelo mundo.
Em países como Estados Unidos e França, a participação de
membros da ativa das Forças Militares na política não é vista com bons olhos,
inclusive, com a imposição de uma série de restrições a fim de evitar que o
posicionamento ideológico do militar político possa respingar na estrutura do
Estado.
O maior agravante, nesse momento, é que as Forças Armadas
são estruturas de Estado, que perduram na saída de um governo para o outro.
Você já imaginou como será a saída desses tantos militares que assumiram lado
no mundo da política? Já pensou quais serão os impactos para nossa política do
escancaramento do posicionamento de diversos membros das Forças Armadas daqui
para frente? Esse caminho sem volta, da interferência constante das Forças
Militares dentro de ambientes políticos, foi o erro cometido por diversos
países no mundo, que flertaram com Forças Militares na política e nunca mais
puderam retomar suas liberdades públicas de forma efetiva, ou, se conseguiram,
sempre se sentiram ameaçados por pesadelos de um passado tenebroso, no qual a
política ficou eclipsada por altas patentes de comando.
*Francis Ricken, advogado e mestre em Ciência Política, é professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP)