PUBLICIDADE

Crise, trabalho e solidariedade

Imagem ilustrativa da imagem Crise, trabalho e solidariedade

Por Luiz Alexandre Gonçalves Cunha

Estamos vivendo em todo Brasil e também no âmbito da Diocese de Ponta Grossa a 6ª Semana Social Brasileira (SSB). Apesar de se chamar “semana” é um evento de longa duração, programado para se estender até o ano de 2022.

As SSBs são inspiradas na experiência da Igreja Católica na Europa, mais precisamente da França. Em todos os locais onde ocorre, a SSB integra a ação da Igreja e se desenvolve a partir de processos de mobilização popular e transformação social com debates que impulsionam a construção de um Projeto Popular para o Brasil.

Sendo assim, há alguns dias fui convidado a fazer uma reflexão para a 6ª SSB e elaborei uma discussão sobre a relação entre a profunda crise pela qual passamos e suas consequências no mundo do trabalho, apontando também uma das soluções possíveis.

Desde a década de 1990 está colocada a questão do desemprego estrutural no sistema capitalista. Em todos os setores há uma busca pela acumulação cada vez maior de capitais, com empresas de todos os ramos investindo em tecnologia e excluindo ou reduzindo o número de trabalhadores.

A dúvida é sobre a capacidade do sistema capitalista de gerar empregos numa quantidade suficiente para absorver toda a força de trabalho. Alguns autores acham que não é mais possível recuperar o emprego ao ponto de que o desemprego estrutural não seja um problema no sistema, tanto em vagas formais quanto ocupação digna.

Muitos acreditavam que o Brasil também não teria condições de gerar empregos suficientes para toda mão de obra disponível, ou seja, para uma população economicamente ativa de mais ou menos 100 milhões de pessoas.

No entanto, o índice de desemprego, que chegou a quase 15% dias atrás, no governo de Dilma Roussef, em 2014, atingiu um patamar que os economistas chamam de pleno emprego, algo em torno de 4%.

Hoje, muitas pessoas desistiram de procurar ocupação com carteira assinada, pois não dispõem de tempo para atender a carga horária exigida em razão de executarem outras atividades. Mães com vários filhos não conseguem ou tem muita dificuldade para conseguir um emprego formal, assim como pessoas com 50 anos ou mais. Outros tantos em situação análoga já desistiram dessa modalidade de ocupação e não aparecem mais nas estatísticas de desemprego. São classificadas como desalentados. Essa população não cabe mais num sistema que exige alta qualificação e grande carga horária de trabalho.

Em Ponta Grossa, por exemplo, quando as moageiras de soja chegaram entre as décadas de 1970/80, empregavam, cada uma, até um mil trabalhadores. Atualmente funcionam plenamente com apenas uma centena. Este setor, o agroindustrial, defende cada vez mais investimentos públicos, mas gera poucos empregos formais.

 Outro exemplo na cidade foi quando o ex-vereador Pietro Arnaud defendeu a retirada da função de trocador da Viação Campos Gerais, o que significaria, em tese, o fim de 700 postos de trabalho. Houve resistência à ideia, mas o fato é que já existe tecnologia para suprimir esses empregos. Essa ação não foi efetivada porque houve um impedimento de ordem política, pois a economia brasileira não tem dinamismo suficiente para gerar empregos substitutos às vagas que surgirão com o aumento de produtividade tão generalizado.

É o mesmo caso dos frentistas (em outros países há o autosserviço) e dos empacotadores de supermercados. O sistema tem criado outras profissões como atendentes em call centers, mas nesse segmento intensifica-se a substituição de trabalhadores pela inteligência artificial (robôs), que em muitos casos pode ser chamada de “burrice” artificial.

De forma geral, defino esses setores, passíveis de incorporação intensa de tecnologias poupadoras de força de trabalho, como relacionados à “grande economia” vinculado a mercados nacionais e globais. Por outro lado, o sistema também demanda a “pequena economia”, que depende da existência de mercados pontuais, locais ou regionais.

Em minha atividade de pesquisa na UEPG, propus uma investigação comparativa entre o mercado de trabalho de Ponta Grossa e Maringá, duas médias cidades do Paraná com população mais ou menos equivalente, 355 mil e 410 mil respectivamente, segundo projeções do IBGE. A população ocupada em Maringá gira em torno de 47% a 49% da população absoluta. Em Ponta Grossa esse número é de 29%.

Ainda não decifrei totalmente esses dados para dizer se a diferença está nos profissionais liberais, formais ou informais. Trago esses dados para discutir a relação entre crise, trabalho e solidariedade.

É preciso pensar políticas públicas que atendam a população que carece de ocupação, trabalho e renda. Por isso, como participante do projeto extensionista Iesol - Incubadora de Empreendimentos Solidários da UEPG, coordenado pela professora Reidy Rolim de Moura,  defendo a Economia Solidária ou Empreendimentos Econômicos Solidários (EES). 

Os EES pensam o trabalhador como ser humano e cidadão, não apenas como força de trabalho; buscam o trabalho coletivo e a autogestão em sistemas de cooperativas ou pequenos negócios. Associações de recicladores, artesãos, agricultores, etc. São setores solidários com suas potencialidades e possibilidades, pois fomentam a organização e a geração de trabalho e renda independente dos requisitos da grande economia.

Os EES são uma opção importante em Ponta Grossa para criar ocupação para as pessoas que têm dificuldades para encontrar trabalho em um sistema que aumenta sua capacidade produtiva através da tecnologia.

Na Iesol temos grupos de jardinagem, produtores de sabão, produtos de limpeza caseiros, artesãs e agricultores; já atuamos em outras cidades além de Ponta Grossa, como Porto Amazonas, Irati, Ipiranga, Piraí do Sul. No entanto, dependemos muito do poder público local para que crie as condições para a implementação da Economia Solidária. Em nossa cidade existe uma lei, mas até hoje não saiu do papel.

A IESol tem propostas, discutidas há muitos anos, para que a Economia Solidária possa gerar trabalho e renda nos municípios. Uma dessas proposta, para região de Ponta Grossa, defende que as prefeituras providenciem um galpão onde trabalhadores, com a assistência técnica da UEPG, possam ter um espaço de trabalho como padarias comunitárias, simples laboratórios para confecção de produtos de limpeza, máquinas de costura e tricô e uma série de outras estruturas.

O sistema de trabalho seria de revezamento, flexível, que contemple a disponibilidade de tempo de mães, jovens, estudantes, aposentados. Ou seja, as pessoas oferecem sua força de trabalho, garantem uma renda digna e o município oferece a estrutura.

Para escoar a produção poderiam ser pensados espaços como um futuro Mercado Municipal, no qual a produção gerada no espaço de produção pudesse ser comercializada, sejam alimentos, artesanato, entre outros, produtos que poderiam ter apelos ligados ao consumo consciente, saudável e, inclusive, turístico.

Essa é apenas uma das propostas que IESol tem para o município, demonstrando que há soluções viáveis e baratas do ponto de vista de investimento público, com retorno garantido na renda das famílias e na qualidade de vida da população, contemplando os segmentos que não têm outra alternativa que não seja a pequena economia para ter vida produtiva e econômica digna e que permita resgatar a dignidade que deveria ser premissa da cidadania plena!

Luiz Alexandre Gonçalves Cunha é Geógrafo Social, professor da UEPG dos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas e Geografia.

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

MAIS DE DEBATES

HORÓSCOPO

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

DESTAQUES

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

MIX

HORÓSCOPO

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE