Debates
Crise, trabalho e solidariedade
Da Redação | 12 de fevereiro de 2021 - 02:25
Por Luiz Alexandre Gonçalves Cunha
Estamos vivendo em todo Brasil e também no âmbito da Diocese
de Ponta Grossa a 6ª Semana Social Brasileira (SSB). Apesar de se chamar
“semana” é um evento de longa duração, programado para se estender até o ano de
2022.
As SSBs são inspiradas na experiência da Igreja Católica na
Europa, mais precisamente da França. Em todos os locais onde ocorre, a SSB
integra a ação da Igreja e se desenvolve a partir de processos de mobilização
popular e transformação social com debates que impulsionam a construção de um Projeto
Popular para o Brasil.
Sendo assim, há alguns dias fui convidado a fazer uma
reflexão para a 6ª SSB e elaborei uma discussão sobre a relação entre a
profunda crise pela qual passamos e suas consequências no mundo do trabalho,
apontando também uma das soluções possíveis.
Desde a década de 1990 está colocada a questão do desemprego
estrutural no sistema capitalista. Em todos os setores há uma busca pela
acumulação cada vez maior de capitais, com empresas de todos os ramos
investindo em tecnologia e excluindo ou reduzindo o número de trabalhadores.
A dúvida é sobre a capacidade do sistema capitalista de
gerar empregos numa quantidade suficiente para absorver toda a força de
trabalho. Alguns autores acham que não é mais possível recuperar o emprego ao ponto
de que o desemprego estrutural não seja um problema no sistema, tanto em vagas
formais quanto ocupação digna.
Muitos acreditavam que o Brasil também não teria condições
de gerar empregos suficientes para toda mão de obra disponível, ou seja, para
uma população economicamente ativa de mais ou menos 100 milhões de pessoas.
No entanto, o índice de desemprego, que chegou a quase 15%
dias atrás, no governo de Dilma Roussef, em 2014, atingiu um patamar que os
economistas chamam de pleno emprego, algo em torno de 4%.
Hoje, muitas pessoas desistiram de procurar ocupação com
carteira assinada, pois não dispõem de tempo para atender a carga horária
exigida em razão de executarem outras atividades. Mães com vários filhos não
conseguem ou tem muita dificuldade para conseguir um emprego formal, assim como
pessoas com 50 anos ou mais. Outros tantos em situação análoga já desistiram
dessa modalidade de ocupação e não aparecem mais nas estatísticas de
desemprego. São classificadas como desalentados. Essa população não cabe mais
num sistema que exige alta qualificação e grande carga horária de trabalho.
Em Ponta Grossa, por exemplo, quando as moageiras de soja
chegaram entre as décadas de 1970/80, empregavam, cada uma, até um mil
trabalhadores. Atualmente funcionam plenamente com apenas uma centena. Este
setor, o agroindustrial, defende cada vez mais investimentos públicos, mas gera
poucos empregos formais.
Outro exemplo na
cidade foi quando o ex-vereador Pietro Arnaud defendeu a retirada da função de
trocador da Viação Campos Gerais, o que significaria, em tese, o fim de 700
postos de trabalho. Houve resistência à ideia, mas o fato é que já existe
tecnologia para suprimir esses empregos. Essa ação não foi efetivada porque
houve um impedimento de ordem política, pois a economia brasileira não tem
dinamismo suficiente para gerar empregos substitutos às vagas que surgirão com
o aumento de produtividade tão generalizado.
É o mesmo caso dos frentistas (em outros países há o
autosserviço) e dos empacotadores de supermercados. O sistema tem criado outras
profissões como atendentes em call centers, mas nesse segmento intensifica-se a
substituição de trabalhadores pela inteligência artificial (robôs), que em
muitos casos pode ser chamada de “burrice” artificial.
De forma geral, defino esses setores, passíveis de
incorporação intensa de tecnologias poupadoras de força de trabalho, como
relacionados à “grande economia” vinculado a mercados nacionais e globais. Por
outro lado, o sistema também demanda a “pequena economia”, que depende da
existência de mercados pontuais, locais ou regionais.
Em minha atividade de pesquisa na UEPG, propus uma
investigação comparativa entre o mercado de trabalho de Ponta Grossa e Maringá,
duas médias cidades do Paraná com população mais ou menos equivalente, 355 mil
e 410 mil respectivamente, segundo projeções do IBGE. A população ocupada em
Maringá gira em torno de 47% a 49% da população absoluta. Em Ponta Grossa esse
número é de 29%.
Ainda não decifrei totalmente esses dados para dizer se a
diferença está nos profissionais liberais, formais ou informais. Trago esses
dados para discutir a relação entre crise, trabalho e solidariedade.
É preciso pensar políticas públicas que atendam a população
que carece de ocupação, trabalho e renda. Por isso, como participante do
projeto extensionista Iesol - Incubadora de Empreendimentos Solidários da UEPG,
coordenado pela professora Reidy Rolim de Moura, defendo a Economia Solidária ou
Empreendimentos Econômicos Solidários (EES).
Os EES pensam o trabalhador como ser humano e cidadão, não
apenas como força de trabalho; buscam o trabalho coletivo e a autogestão em sistemas
de cooperativas ou pequenos negócios. Associações de recicladores, artesãos,
agricultores, etc. São setores solidários com suas potencialidades e
possibilidades, pois fomentam a organização e a geração de trabalho e renda
independente dos requisitos da grande economia.
Os EES são uma opção importante em Ponta Grossa para criar
ocupação para as pessoas que têm dificuldades para encontrar trabalho em um sistema
que aumenta sua capacidade produtiva através da tecnologia.
Na Iesol temos grupos de jardinagem, produtores de sabão,
produtos de limpeza caseiros, artesãs e agricultores; já atuamos em outras
cidades além de Ponta Grossa, como Porto Amazonas, Irati, Ipiranga, Piraí do
Sul. No entanto, dependemos muito do poder público local para que crie as
condições para a implementação da Economia Solidária. Em nossa cidade existe
uma lei, mas até hoje não saiu do papel.
A IESol tem propostas, discutidas há muitos anos, para que a
Economia Solidária possa gerar trabalho e renda nos municípios. Uma dessas
proposta, para região de Ponta Grossa, defende que as prefeituras providenciem
um galpão onde trabalhadores, com a assistência técnica da UEPG, possam ter um
espaço de trabalho como padarias comunitárias, simples laboratórios para
confecção de produtos de limpeza, máquinas de costura e tricô e uma série de
outras estruturas.
O sistema de trabalho seria de revezamento, flexível, que
contemple a disponibilidade de tempo de mães, jovens, estudantes, aposentados.
Ou seja, as pessoas oferecem sua força de trabalho, garantem uma renda digna e
o município oferece a estrutura.
Para escoar a produção poderiam ser pensados espaços como um
futuro Mercado Municipal, no qual a produção gerada no espaço de produção
pudesse ser comercializada, sejam alimentos, artesanato, entre outros, produtos
que poderiam ter apelos ligados ao consumo consciente, saudável e, inclusive,
turístico.
Essa é apenas uma das propostas que IESol tem para o município, demonstrando que há soluções viáveis e baratas do ponto de vista de investimento público, com retorno garantido na renda das famílias e na qualidade de vida da população, contemplando os segmentos que não têm outra alternativa que não seja a pequena economia para ter vida produtiva e econômica digna e que permita resgatar a dignidade que deveria ser premissa da cidadania plena!
Luiz Alexandre Gonçalves Cunha é Geógrafo Social, professor da UEPG dos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas e Geografia.