Debates
A família Bolsonaro e a velha política
Da Redação | 19 de dezembro de 2020 - 01:53
Por Marcelo Aith
O novo episódio envolvendo a família Bolsonaro diz muito
sobre em qual lado da balança eles estão. Bolsonaro e seus filhos foram eleitos
levantando a bandeira da nova política e do combate a corrupção. Entretanto, ao
longo dos dois primeiros anos do mandato o castelo de areia construído para
blindar o “mito” foi desabando com notícias de envolvimento com milícias,
crimes de peculato (“rachadinhas”), compras de boas relações no caso do filho
Renan, etc.
O objetivo aqui não é apontar a farsa entorno da figura do Presidente, mas
pontuar eventuais crimes de responsabilidade e atos de improbidade
administrativa praticados pelos envolvidos nos fatos trazidos pela imprensa.
Conforme destacado amiúde pela Revista Época, a defesa do senador Flávio
Bolsonaro (Podemos-RJ), o próprio parlamentar, o ministro-chefe do GSI, o
diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e Jair Bolsonaro se
reuniram para definir estratégias de defesa em relação ao suposto crime de
peculato (“rachadinha”) e lavagem praticado pelo filho do presidente, quando
era deputado estadual no Rio de Janeiro, e sua trupe.
Segundo a revista, coube a Abin, órgão do estado, vinculado ao Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), que tem por função precípuo investigar ameaças
reais e potenciais, bem como identificar oportunidades de interesse da
sociedade e do Estado brasileiro, e defender o estado democrático de direito e
a soberania nacional, elaborar um relatório sobre os funcionários da Receita
Federal que teriam feito um levantamento a respeito dos dados fiscais do
senador Flávio. Aqui cabe o primeiro questionamento: é função institucional da
Abin atuar em assuntos de interesse pessoal de um parlamentar?
Por óbvio que, comprovados os fatos narrados pela revista, houve um flagrante
desvio de finalidade na atuação da Abin, fato que poderá ensejar ação de
improbidade para o diretor-geral da agência - delegado Alexandre Ramagem, ao
general Heleno – ministro do Gabinete de Segurança Institucional, ao senador
Flávio Bolsonaro e ao Presidente da República, na medida em que infringiram
os artigos 9º e 10 da Lei 8429/92 (Lei de Improbidade
Administrativa).
Este fato demonstra que o presidente trata a “coisa pública” como se fosse
“coisa dele”, os órgãos do estado, vinculados aos ministérios ou a própria
Presidência são partes integrantes da União e não devem atuar para atender os
interesses pessoas do Chefe do Executivo. A situação narrada pela Revista Época
é semelhante, por exemplo, a um prefeito de uma cidade pequena do interior do
Brasil usar funcionários do setor de obras da prefeitura para pintar a sua
casa. São situações de inequívoco desvio de finalidade em proveito próprio, que
devem ser coibidos fortemente pelos órgãos de controle (Tribunais de Contas,
Casas Legislativas – Câmara Municipais, Assembleias legislativas do Estado e o
Congresso, e o Ministério Público).
A questão Flávio-Abin é muito séria e deve ser tratada com muito atenção pelo
Congresso Nacional, pelo Procurador Geral da República e pelo Tribunal de
Contas da União, uma vez que foi utilizado o serviço de inteligência da
Presidência para beneficiar o filho do Chefe do Executivo. Com um simples
passar de olhos sobre os fatos verifica-se a ocorrência, em tese, de uma penca
de crimes, que vão do crime de responsabilidade ao tráfico de influência,
passando pelo abuso de autoridade.
Para demonstrar a seriedade e a gravidade dos fatos, cumpre destacar que a
Abin, segundo a Revista Época, orientou a defesa do senador a buscar a
exoneração dos servidores da Receita Federal que vasculharam os dados fiscais
de Flávio, bem como para buscarem acesso aos dados da “apuração especial”
realizada junto ao SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados é a maior
empresa pública (estatal) de prestação de serviços de Tecnologia da Informação
do Brasil), para garantir registros de acesso a dados fiscais na Receita, dando
legalidade as informações obtidas ilicitamente pela Abin.
Outra orientação passa por Ramagem, diretor-geral da Abin, segundo a revista,
foi no sentido de que a advogada de Flávio conseguisse uma audiência para
“tomar um cafezinho” com o chefe da Receita Federal do Brasil (RFB), José
Tostes Neto, exigindo deste informações.
Pela gravidade da denúncia da Revista Época, a ministra Cármen Lúcia, do
Supremo Tribunal Federal (STF), intimou o ministro-chefe do GSI, general
Augusto Heleno, e do diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem para prestar
esclarecimento no prazo de 24 horas.
Alexandre Ramagem afirmou à ministra que o órgão não produziu relatórios para
orientar a defesa do senador Flávio Bolsonaro no caso da “rachadinha”. Porém,
admitiu que houve uma reunião com a defesa do parlamentar, mas disse que o
encontro não gerou nenhum ato formal subsequente do governo que justifique a
ação judicial.
General Heleno também apresentou esclarecimentos no mesmo sentido de Ramagem e
destacou que “a reunião com a defesa de Flávio não é ilegal, pois compete ao
GSI e à Abin zelar pela segurança do presidente e de seus familiares”. Ramagem
afirmou que: “A reunião realizada é completamente regular, por estar dentro das
competências atribuídas legalmente ao GSI, órgão do qual a Abin faz parte. Como
não foi constatada violação de segurança institucional, não houve nenhuma
providência decorrente do encontro”.
Diante da controversa instalada caberá uma investigação série e despida de
parcialidade pelo Procurador Geral da República, uma vez que há indícios fortes
de utilização do órgão de inteligência do governo em favor de Flávio Bolsonaro,
fato que não pode ser desconsiderado por Augusto Aras. Será que voltamos ao
tempo de Sucupira e o presidente incorporou Odorico Paraguaçu?
Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e
professor convidado da Escola Paulista de Direito (EPD)