Debates
O saneamento pode mudar o país
Da Redação | 14 de outubro de 2020 - 02:56
Por Luiz Pladevall
O Novo Marco Legal do Saneamento é um passo importante na
organização desse setor e uma grande perspectiva para milhões de brasileiros
nos próximos anos. A recente aprovação do PL 4.162/2019 trouxe maior segurança
jurídica para os players e pode proporcionar melhores condições de
vida para mais de 100 milhões de habitantes sem coleta e tratamento de esgoto e
outros 35 milhões não atendidos por água potável. Os investimentos previstos
chegam a R$ 700 bilhões até 2033 com potencial para a criação de 40 milhões de
empregos no período de acordo com dados da CNI (Confederação Nacional da
Indústria). O estudo detalha que para cada R$ 1 bilhão aplicado em saneamento,
criamos 58 mil empregos diretos e indiretos, sendo 27 mil na indústria, 25 mil
no setor de serviços e 5,9 mil em agropecuária. Por sua característica de
demandas pulverizadas em todo o território, os empreendimentos em saneamento
reforçam o caráter fomentador da economia em pequenos, médios e grandes
municípios.
A vida em localidades insalubres revela a face mais perversa
do nosso atraso no setor. Porém, o Novo Marco Legal tem capacidade para
resolver pendências históricas e aumentar a eficiência e eficácia dos serviços
de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Um dos pontos positivos da
nova legislação foi estabelecer maior competição e metas para empresas
prestadoras de serviços. Hoje, a maioria das localidades conta com serviços por
meio do chamado contrato de programa, no qual a companhia estadual responsável
pela água e esgoto pouco, ou quase nada, atende às necessidades municipais de
saneamento, pois estes contratos de programa não têm regras e metas claras, em
grande maioria é um documento simples somente com intenções.
Acostumados com a equivocada concepção de abundância hídrica
por contar com mais de 10% da água doce do mundo, esquecemos que 80% desses
recursos estão concentrados na bacia do Rio Amazonas. Nas regiões
metropolitanas, as mudanças climáticas já prenunciam o imperativo de tratar os
recursos hídricos com maior reponsabilidade. Portanto, buscar reduzir as perdas
de água vai ser um dos trabalhos mais importantes nessas localidades. As
tubulações com mais de 50 anos de uso são um dos motivos para nossas perdas alcançarem
cerca de 40% de toda água produzida. Os municípios coletam, tratam – investem
em insumos como produtos químicos e energia – e depois jogam fora quase a
metade de tudo isso. Em algumas regiões brasileiras, o desperdício ultrapassa
60% da água tratada, constituindo um prejuízo próximo a R$ 12 bilhões anuais.
Além da troca de tubulações e renovação de ativos, serão necessários
principalmente investimentos no aprimoramento da gestão dos sistemas e
eficiência operacional para que possamos alcançar índices melhores. Exemplos
desses avanços em controle de perdas não faltam, como Dinamarca (6,9%), EUA
(12,8%) e em Portugal na região de Lisboa (7,9%).
Para dar conta dessas e demais demandas do saneamento, o
Novo Marco Legal inova ao criar a unidade regional de saneamento básico
permitindo que os Estados constituam agrupamentos de municípios, não
necessariamente limítrofes, para atender suas demandas, abrindo a perspectiva
de gestão associada. A possibilidade de formação de blocos vai contribuir para
que localidades menos atrativas possam se integrar com cidades com maior
potencial de retorno dos investimentos, alcançando o que conhecemos como
subsídio cruzado, uma forma de atender a todos de maneira mais equilibrada.
Temos muito trabalho pela frente. O atendimento a 99% da
população com água potável e 90% de coleta e tratamento de esgoto até 2033 é
uma meta extremamente ambiciosa, mesmo com a participação efetiva do setor
privado. Para isso, um dos principais instrumentos para atender essa demanda
vem dos Planos Municipais e Regionais de Saneamento, ferramenta que apenas
cerca de 40% dos municípios desenvolveu, segundo pesquisa divulgada em 2018
pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O Estado de São
Paulo deu prioridade a esse instrumento e contratou pacotes para a produção de
planos municipais por meio das bacias hidrográficas. Assim, os municípios
paulistas já estão preparados para uma nova etapa e já têm definidas as suas
prioridades no setor. A iniciativa merece servir de exemplo para os outros
entes federativos como proposta de acelerar a elaboração desse documento,
principalmente naquelas localidades que sequer contam com um engenheiro
capacitado para coordenar este estudo.
Na esfera federal, o planejamento deve ser um instrumento de
condução do Novo Marco Legal do Saneamento, com propostas que atendam às
demandas no curto, médio e longo prazos. Há décadas, o país abandonou sua
responsabilidade de gestão fazendo o atendimento de balcão, conforme as
solicitações políticas foram surgindo. Precisamos retomar o planejamento
embasado em informações atualizadas, que possam reproduzir de forma clara o
panorama do setor e que seja capaz de oferecer dados detalhados para uma visão
precisa da realidade. A centralização da gestão e dos recursos financeiros deve
ficar na Secretaria Nacional de Saneamento para evitar o desperdício de
recursos e impulsionar a viabilização dos empreendimentos.
Avançar com o saneamento vai trazer impactos sociais e
econômicos em vários setores. Sem sombra de dúvida, a saúde da população
brasileira vai ganhar muito com a melhora nas condições de vida e aumento da
produtividade dos nossos trabalhadores. Mas o turismo, o meio ambiente, e até
mesmo a indústria imobiliária, entre outros setores, também vão ser beneficiados.
Por isso, o saneamento precisa fazer parte de um compromisso da nação para se
transformar em uma política pública permanente de Estado, independentemente da
cor partidária do governo de plantão.
Luiz Pladevall é presidente da Apecs (Associação
Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente) e
vice-presidente da ABES-SP (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e
Ambiental).