Debates
Demissões no Transporte Coletivo: precisamos refletir
Da Redação | 19 de agosto de 2020 - 01:44
Por Isabela Gobbo
Na manhã do dia 17 de agosto, segunda-feira, a população de Ponta Grossa recebeu
a notícia de setenta demissões de trabalhadores do transporte coletivo da
cidade. Após entrar na justiça e ter o seu pedido de subsídio de 2,5 milhões de
reais por mês indeferido, a Empresa do Transporte justifica a quebra do sistema
para poder tomar tal medida drástica.
Ao olhar esse cenário, até parece que nada mais poderia ser feito, tanto por
parte da Empresa quanto da Prefeitura, o que não é a realidade e precisa ser
explorado diante de um contexto maior. Inicialmente, apesar de ser um contrato
de concessão, quem controla a forma como o transporte se dá é a Empresa. Como a
fonte financiadora é a passagem, e como ela tem um único interesse neste contrato
que é a obtenção do lucro previsto no mesmo, a diminuição de passageiros coloca
a empresa numa situação inusitada, com as despesas para manutenção dos serviços
praticamente inalteradas, mas sem o financiamento integral garantindo a sua
parcela do bolo. Isso demonstra que o modelo de financiamento a partir das
passagens, jogando todo o peso para os usuários sempre, não é o melhor para
poder garantir esse serviço essencial. Se o pagamento fosse em cima do que é
prestado e não do número de usuários, a Prefeitura teria como evitar esse tipo
de situação, bem como superlotações em horários de pico, e se responsabilizaria
de fato pela prestação deste serviço. Nesse sentido, o atual modelo não foi
criado para garantir o serviço funcionando conforme decisões de interesse
coletivo.
Ademais, alguns pontos da política precisam ser colocados. A responsabilidade
pela prestação do transporte coletivo é do poder executivo municipal, ou seja,
da Prefeitura. Esta poderia investir em negociações para evitar o colapso do
sistema, como um possível subsídio para a folha de pagamento ou ainda jogar o
pagamento de ISS para o próximo ano. Sobre a Empresa, a forma como essas
demissões irão ocorrer pode desencadear num enfraquecimento da oposição
sindical que lutará de fato pelos interesses dos trabalhadores do transporte
coletivo, o que é de seu interesse maior. Além disso, há um grande movimento
nacional de empresas concessionárias pressionando para obter subsídios imensos
provindos tanto dos governos municipais, quanto estaduais e federal, sendo a
demissão uma das formas elencadas para a aprovação imediata desse recurso.
Diante de tais fatos, o debate do novo modelo de transporte coletivo deverá perpassar por estes pontos cruciais para que o serviço seja garantido da melhor forma à população. E não adianta negar, seja agora com o que está ocorrendo ou lá na frente quando a renovação da concessão for colocada em pauta. A pressão por parte do empresariado sempre vai ocorrer defendendo seus próprios interesses, cabendo ao poder público lutar para que o interesse dos cidadãos e, em especial, dos usuários do transporte, seja vitorioso, assumindo seu dever em garantir o pleno acesso de verdade à cidade para todos.
Isabela Gobbo é Advogada e Mestra em Ciências Sociais Aplicadas pela UEPG