Debates
Em busca da imunidade perdida
Da Redação | 13 de junho de 2020 - 01:38
Por Marcos Pileggi
“Aflige-me a ideia de não se poder sair daqui e tenho medo
de que nos descubram e nos fuzilem. É isto que pesa sobre mim de um modo
horrível.” Trecho tirado do Diário de Anne Frank (1942-1944). Em 2020, a
humanidade se escondeu de um vírus que nem tem letalidade tão alta, mas tem
eficiência em infectar novos alvos. O SARS-COV-2 é um vírus que tem RNA fita
simples como material genético envolto por uma camada lipoprotéica, obtido das
nossas próprias células, que são seu berçário.
As projeções proteicas externas que dão ao vírus este jeitão
de coroa (ou corona, em latim) irão reconhecer estruturas específicas nas
membranas das nossas células, permitindo sua ligação e inserção do RNA, que irá
coordenar a reprodução viral dentro de nós. Se o seu sistema imunológico
estiver bem, você acabará com a festa deste vírus. Se não estiver, ele poderá
matar você. Cerca de 94% dos humanos conseguem dar conta desta intromissão
molecular, possivelmente produzindo anticorpos contra o vírus que nos usou como
maternidade. Em 6% não, devido a comprometimentos do sistema imunológico com
outras doenças.
Analisando o número de mortes por milhão de habitantes, observa-se
que há uma indicação de que as maiores taxas de letalidade estão vinculadas aos
países mais ricos. A Bélgica, em uma das situações mais difíceis da Europa,
tinha 831 mortes/milhão. A África do Sul tem apenas 20 mortes/milhão. O Brasil
tem 181. Há problemas de identificação do vírus entre os países, mas há
comparação é feita com 215 países do mundo, com os dados da Johns Hopkins. Outros
índices da Organização Mundial de Saúde mostram que há mais diferenças entre
países pobres de ricos, além do dinheiro.
Países pobres tem menos cesárias, maior tempo de aleitamento
materno, famílias mais numerosas, usam menos antibióticos, que são caros, e têm
menos acesso a práticas de higienização. Provavelmente as pessoas destes países
mantém comunidades de microrganismos mais diversas na pele, intestino e boca, passando
de mães para seus filhos, em uma relação evolutivamente saudável. Estes
microrganismos têm funções benéficas para nós, emitindo sinais químicos que as
identificam para o nosso sistema imunológico, que não irá combatê-las.
A simples lavagem das mãos com sabonetes consegue diminuir a
carga de microrganismos oportunistas e eliminar o SARS-CoV-2 (devido ao
envoltório lipoprotéico que roubou da gente durante sua formação), mas a
diversidade bacteriana não diminui e se reestabelece. Já o álcool 70% interfere
mais, diminuindo a chance de recuperação da boa microbiota e permitindo a
colonização por outra que não irá calibrar o nosso sistema imunológico. Publicações
desde 1980 mostram que países ricos tendem a apresentar menores índices de
doenças infecciosas e maiores de doenças relacionadas a problemas de
desregulação imunológica, como asma, anafilaxia, renite alérgica, dermatite
atópica, diabetes tipo 1 e síndrome do intestino irritável. Estas são algumas
das comorbidades que fazem as pessoas serem presas mais fáceis do SARS-CoV-2.
A baixa diversidade de bactérias já presentes em crianças
nascidas por cesáreas e pouco alimentadas ao peito materno acarreta problemas em
sua vida adulta. Pré e probióticos podem se mostrar estratégias eficientes para
a diminuição de problemas imunológicos de maneira barata. Ninguém ficará rico
desenvolvendo estas estratégias. A medicina não precisa ser cara para ser
eficiente. Por isso minha luta será difícil. Minha avó deve ter dito que é melhor
cuidar da nossa saúde do que depender de hospitais. A sua também não dizia isso?
Marcos Pileggi possui graduação em Licenciatura e
Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos
(1986), mestrado em Genética pela Universidade Federal do Paraná (1991),
doutorado em Genética pela Universidade Federal do Paraná e Ohio State University
(2000), Livre Docência pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2008), e Pós
Doutoramento pela University of Minnesota (2010)