Debates
Campanha da Fraternidade contra o coronavírus
Da Redação | 26 de março de 2020 - 20:07
Por Roberto Mistrorigo Barbosa
A Campanha da Fraternidade deste ano se mostrou profética.
Ainda que seus conceitos tenham sido elaborados muito tempo antes da emergência
da pandemia do covid-19 – o novo coronavírus – suas recomendações podem ser o
centro de nossas ações para combater a doença.
O lema da CF-2020 “viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (referência extraída da
parábola do bom samaritano) nos dá a linha mestra para um programa econômico
global que pode fazer frente à pandemia e, depois disso, resgatar as centenas
de milhões de pessoas que vivem sob os signos da miséria, violência e abandono.
Neste momento, temos que trabalhar com medidas emergenciais, mas ao mesmo tempo
imaginar uma economia com reformas estruturantes, que gere emprego e renda para
todos, que priorize o ser humano, pois a humanidade não foi feita para a
economia, mas a economia para a humanidade.
As medidas emergenciais para dar condições de proteção sanitária a todos os
brasileiros nos parecem um tanto óbvias. Para começar poderíamos impedir que o
fornecimento de energia e distribuição de água fossem interrompidos por falta
de pagamento. A consequência disso pode perfeitamente ser incorporada pelas
empresas, sejam privadas ou estatais, como resultado negativo, como já ocorreu
em outras crises.
O governo propôs, e depois voltou atrás diante da péssima repercussão, a
possibilidade das empresas deixarem de pagar seus funcionários por quatro
meses. Outras medidas apontam para redução de até 50% dos salários dos
funcionários públicos. É uma completa insanidade imaginar que a doença reflua
retirando os poucos recursos que ainda restam para que as famílias possam se
proteger da pandemia.
É incontestável que nesta hora precisamos “exigir a garantia do emprego, criar
mecanismos de promoção da renda mínima das famílias desempregadas, ampliar
instrumentos como o Bolsa Família, acelerar a concessão de direitos e
benefícios previdenciários e decretar uma moratória no pagamento da dívida
pública, transferindo esses recursos para o SUS e para a assistência social. É
urgente e essencial que os trabalhadores informais (...) recebam um auxílio
emergencial de um salário mínimo, por no mínimo seis meses, enquanto não se
estruturam outras políticas públicas”, como bem explicitado na nota Comissão
Brasileira Justiça e Paz, Conferência dos Religiosos do Brasil e pelo Conselho
Nacional do Laicato do Brasil.
Mas não apenas isso. Chegou a hora do sistema financeiro dar sua parcela de
contribuição. Nas contas do economista Ladislau Dowbor, em 2012, tínhamos no
Brasil 74 bilionários, que dispunham de uma fortuna total de 346 bilhões de
reais. Em 2019, são 206 bilionários, com uma fortuna total de R$ 1,205 trilhão
(17,7% do PIB brasileiro). A imensa maioria ligada ao sistema financeiro, donos
de bancos, de holdings, de acionistas e controladores acionários, de fundos de
investimento, de donos de cotas acionárias e de holdings familiares. Tendo em
vista esse cenário, é imperioso que os bancos deixem de cobrar juros e, além
disso, abram linhas de crédito para recuperação de empresas, colaborando assim
para a recuperação da economia.
Para além de medidas emergenciais para combater o coronavírus, é o momento
também de planificar um caminho para uma nova economia. Uma economia a serviço
do bem comum implica que seja economicamente viável, mas também socialmente
justa e ambientalmente sustentável. Conceitos como renda cidadã, bens comuns,
controle das finanças e democracia real são imprescindíveis para que haja
futuro.
Em resumo, é preciso pensar mais e sempre no que o Papa está chamando de
“economia de Francisco”.
Roberto Mistrorigo Barbosa, Leigo Inaciano, membro da
CVX e coordenador da Comissão Nacional de Formação do Conselho Nacional de
Leigos da Igreja Católica.