Debates
Pedido de socorro que vem dos mares
Da Redação | 31 de outubro de 2019 - 03:49
Por Janaína Bumbeer
Um novo desastre ambiental coloca o Brasil mais uma vez em
sinal de alerta. As manchas de óleo que chegam às praias mostram que a vítima
da vez é uma das principais fontes de renda e de alimento dos brasileiros: o
oceano. São inegáveis os prejuízos ambientais, sociais e econômicos
inestimáveis para toda a população. Diante do problema sem precedentes, sem
exitar, brasileiros deixaram suas atividades cotidianas para depois. Salvar o
mar tornou-se a ação prioritária do dia. Essa é a realidade das últimas semanas.
Pescadores madrugam para soar o sinal de alerta de que o
óleo se aproxima. Marisqueiros resgatam animais. Surfistas aposentaram
temporariamente as pranchas para procurar ondas com manchas pretas. Professores
e estudantes trouxeram a sala de aula para a areia e passaram a aprender na
prática a importância dos recursos naturais e o protagonismo do ser humano na
preservação ou destruição do meio ambiente. Turismólogos deixaram de apenas
apresentar belas paisagens e também arregaçaram as mangas para salvá-las.
O trabalho de cada voluntário e cada profissional deve ser
reconhecido e valorizado. São pessoas que estão fazendo a diferença para a
minha vida e para a sua. Estão socorrendo o habitat das algas marinhas,
responsáveis pela produção de 54% do oxigênio do mundo. O oceano é o principal
regulador do clima, viabilizando a vida no planeta. Além disso, é do oceano que
vêm aproximadamente 19% do Produto Interno Bruto do País, a partir de
atividades como pesca, lazer, turismo e transporte.
O cenário atual soma milhares de toneladas de óleo já
recolhidas, representando uma parcela pequena da quantidade de manchas ainda
presentes em centenas de praias no Nordeste brasileiro – tanto na água, quanto
na areia. O número de animais afetados e mortos aumenta e o total vai deixar de
contabilizar todos aqueles que não foram trazidos pelo mar até a costa. Além
disso, o rastro que manchou o litoral nordestino também atingiu mangues e
corais, demandando um processo de limpeza mais complexo e pouco acessível.
Pesquisadores estimam que, apesar de visualmente “limpo”, o ambiente marinho
carregará substâncias químicas por décadas, com prejuízos para os ecossistemas
e para a cadeia alimentar, afetando inclusive peixes e frutos do mar que
servimos à mesa.
Ou seja, somos todos impactados! Mesmo vivendo a quilômetros
das praias do Nordeste, dependemos do mesmo oceano e compartilhamos a mesma
nação. Portanto, também devemos agir e cuidar dos nossos recursos. Precisamos
nos informar a partir de fontes confiáveis, apoiar as ações dos profissionais e
voluntários e exercer o papel de cidadãos, cobrando ações rápidas e efetivas.
Há dois meses, o evento Conexão Oceano, realizado no Rio de
Janeiro, trouxe à tona o debate sobre o passado, o presente e o futuro da
biodiversidade marinha, dos serviços ecossistêmicos e dos mares. O oceano
conecta continentes e está presente – direta e indiretamente – na vida de toda
a população global. O tema é tão relevante que levou as Nações Unidas a
declararem o período de 2021 a 2030 como a Década da Ciência Oceânica para o
Desenvolvimento Sustentável.
Reverter o quadro que lamentavelmente vemos hoje no Brasil e
considerar os impactos desse cenário são pautas urgentes. É hora de deixar as
atividades rotineiras de lado, ouvir o pedido de socorro e fazer a nossa parte
para salvar recursos tão preciosos que não conseguimos viver sem.
* Janaína Bumbeer é bióloga, doutora em Ecologia e
Conservação com foco em ambientes marinhos e analista de Ciência e Conservação
da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.