Debates
Do luto à luta
Da Redação | 11 de outubro de 2019 - 02:38
Por Roberto Livianu
São já 5 anos e meio de Lava Jato, 6 da lei da colaboração
premiada, 7 do processo criminal do mensalão e lá se vão mais de 31 de
Constituição Cidadã. Mesmo assim, 73% dos brasileiros continuam temendo
retaliação se denunciarem a corrupção. Este é sinal claro de que há um campo
com areia movediça em torno dos números da corrupção no Brasil (que nos impede
de quantificá-la com exatidão) em face da óbvia grandeza dos índices de
subnotificação (casos não denunciados, a chamada “cifra negra” criminológica).
Para 54% dos brasileiros, a corrupção, de um modo geral,
aumentou (em relação a 2018). E para 63% deles, todos ou a maioria dos
integrantes do Congresso Nacional estão envolvidos com a corrupção. Para 57%
dos ouvidos, a Presidência da República também está envolvida, mesmo tendo sido
o Presidente eleito com discurso enfático à luta anticorrupção. Para igualmente
57% dos ouvidos, o Governo Federal não realiza bom trabalho no combate à
corrupção.
É chocante este outro número, mas a verdade é que 40% dos
ouvidos no Brasil já foram abordados com ofertas para a compra de seus votos.
Pior que este percentual na região, somente o México (50%) e a República
Dominicana (46%).
Mesmo neste contexto, o Congresso aprovou uma nova lei de
partidos políticos que permite que se utilizem recursos do fundo partidário sem
limites com despesas de advogados e contadores, mesmo se sabendo que a
precificação de serviços de advogados é complexa e que isto institui brecha
para o caixa 2 eleitoral, legitimando-se artificialmente gastos indevidos, como
a compra de votos. Autorizou ainda a nova lei a compra de helicópteros ou
veículos de luxo.
Os números estão dolorosamente apontados no relatório da 10ª
edição do Barômetro Global da Corrupção, realizado pela Transparência
Internacional, ouvindo 17.000 pessoas em 18 países (1.000 delas no Brasil),
divulgado nos últimos dias, ressalvando que a análise observa aspectos
relacionados à percepção subjetiva da corrupção e deixa de analisar a
quantidade e qualidade da vitalidade no enfrentamento deste fenômeno pelas
instituições, vale destacar que se há mais visibilidade em relação à corrupção
e em boa parte isto deve ser creditado a seu desmascaramento e corajoso
combate.
Por outro lado, a pesquisa aponta que apenas 11% dos
brasileiros teriam pago propina. Com números melhores, apenas Barbados (9%) e
Costa Rica (7%). Mas a verdade é que nosso problema não é a corrupção miúda do
varejo, e sim, a grande fraude, a corrupção eleitoral, a corrupção nos partidos
políticos, nas licitações para contratações públicas.
Estes números não consideraram a aprovação da Lei Renan
Calheiros de abuso de autoridade, a obstacularização do trabalho do Coaf (hoje
UIF) para informar o MP sobre transações financeiras suspeitas e da Receita
Federal, pretendendo-se cercear sua autonomia e muito menos a nova lei dos
partidos, que, como já se enfatizou, abre brechas para o caixa dois eleitoral e
para a lavagem de dinheiro.
Mesmo assim, misteriosamente, para 82% dos brasileiros, o
cidadão comum daqui pode fazer a diferença. Nosso otimismo ainda se sobrepõe
surpreendentemente às agruras terríveis do sentimento de impunidade da
corrupção, que ainda imperam, já que Mensalão e Lava Jato tocaram apenas a ponta
do iceberg. E hoje, 90% dos brasileiros percebe a corrupção como um grande
problema nacional (acima da média da América Latina – 85%).
Para vencer, não bastam investigações, processos e penas. Falta reforma político-partidária, novas medidas contra a corrupção, fim do foro privilegiado, mais transparência, escolhas conscientes nas eleições e muito mais. Mas, ter consciência sobre a gravidade do problema e estar otimista em relação a seu enfrentamento lastreiam e permitem um primeiro passo. Avancemos!
Roberto Livianu é promotor de Justiça São Paulo, doutor
em direito pela USP, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC) e
diretor do Ministério Público Democrático (MPD).