Debates
O futebol explica o Brasil
Da Redação | 03 de outubro de 2019 - 02:57
Por Elton Duarte Batalha
A chegada com sucesso dos técnicos estrangeiros Jorge Jesus
e Jorge Sampaoli evidenciou algumas deficiências do futebol brasileiro que
representam no microcosmo esportivo, em última análise, falhas presentes na
sociedade e economia nacionais. A observação de alguns desses problemas auxilia
na análise de questões presentes no cotidiano do Brasil.
Primeiro ponto a observar atine ao corporativismo. O êxito
em desempenho dos referidos treinadores, que conseguiram fazer com que seus
times apresentassem futebol vistoso, o qual, muitas vezes, produz vitórias
expressivas, ensejou reação de alguns técnicos. O gremista Renato Portaluppi,
por exemplo, relativizou recentemente o desempenho obtido pelo time dirigido
pelo português Jorge Jesus. Tal postura, em outros momentos, foi adotada por
diversas figuras do meio do futebol, ressaltando o caráter corporativo dos
profissionais brasileiros. A defesa da classe não é algo restrito ao mencionado
esporte, bastando observar as ações de alguns políticos diante das operações
contrárias à corrupção ou a tentativa de diminuição de privilégios (como o
auxílio-moradia) de determinadas categorias do setor público.
O despreparo técnico dos profissionais nativos é outro
tópico que chama a atenção. O desconhecimento de idiomas é algo marcante, sendo
notória a dificuldade apresentada pelo treinador Joel Santana com a língua inglesa
quando trabalhava na seleção da África do Sul e de Vanderlei Luxemburgo com o
idioma espanhol quando dirigiu o Real Madrid. Tal restrição intelectual
obviamente cria óbice para o desenvolvimento da carreira dos brasileiros no
exterior. Ademais, há certo desinteresse em relação ao aprimoramento técnico
por parte dos treinadores brasileiros, sobrevalorizando o empirismo em
detrimento da teoria e dos mais modernos sistemas táticos e estratégicos,
presentes especialmente na Europa, local em que o futebol hoje é praticado com
a maior intensidade e qualidade no mundo. O desapego ao aprofundamento teórico
é algo presente em boa parte da sociedade, refletindo os problemas históricos e
estruturais da educação formal no país. A comparação com treinadores argentinos,
que conseguem mais mercado no âmbito europeu, mesmo em países que não tem a
língua de Cervantes como o seu idioma oficial, torna mais claro o problema
brasileiro. A excelência atingida por profissionais europeus exemplificados na
figura do espanhol Josep "Pep" Guardiola e do alemão Jürgen Klopp é
algo longe da realidade dos colegas nascidos no Brasil.
A falta de planejamento é outra característica do meio
futebolístico brasileiro que reflete o ambiente em que se encontra. A
desorganização financeira histórica dos clubes nacionais é outro elemento que
deve ser observado com cuidado na análise de nossa realidade. Em uma sociedade
cuja figura do homem cordial é marcante, como apontou Sérgio Buarque de
Holanda, a aplicação da racionalidade weberiana no cotidiano é algo que nem
sempre é aceito com facilidade. Daí surge a improvisação, muitas vezes oriunda
da desorganização, redundando, em alguns casos, no chamado "jeitinho
brasileiro" para resolver determinadas dificuldades. No campo de futebol,
um embate clássico entre um time pautado pela emoção e outro caracterizado pela
razão ficou conhecido em 2014, durante a Copa do Mundo disputada no Brasil,
quando a equipe anfitriã foi derrotada por 7 a 1.
Essa deficiência em termos de organização dentro e fora de
campo produz como efeito a exploração do potencial do esporte brasileiro de
modo muito menos satisfatório do que seria desejável. Os casos de violência e a
desconsideração do evento futebolístico como um negócio em todas as suas
facetas, inclusive pela mentalidade dos dirigentes, enseja faturamento bem
menor que outras ligas ao redor do mundo. A estrutura problemática reproduz no
futebol algo que também ocorre na economia do país: a venda de bens em estado
bruto, sem muito valor agregado. O Brasil perde seus talentos ainda muito
jovens, que rumam sobretudo para a Europa, local em que serão lapidados,
ocasionando rápida e expressiva valorização dos jogadores.
É óbvio, em suma, o efeito positivo que a entrada de
treinadores estrangeiros produz no cenário futebolístico nacional. Além da
troca de experiências, o referido fenômeno expõe de modo cristalino algumas
deficiências do esporte no Brasil, refletindo, de modo profundo, problemas
presentes também nos campos social e econômico. Triste é o país que, na falta
de comportamento humilde, desperdiça a oportunidade de fazer análise acurada de
seus defeitos, evidenciados na comparação entre profissionais brasileiros e
estrangeiros. A armadilha do argumento nacionalista no trato desse assunto,
embora confortável, pode fazer que o país desperdice a possibilidade de encarar
mazelas presentes desde tempos imemoriais nessas terras.
Elton Duarte Batalha – Professor de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito.