Debates
Reforma da Previdência avança, mas ainda precisa de ajustes contra privilégios
Da Redação | 11 de julho de 2019 - 03:11
Por João Badari
Seis meses depois de muita discussão, a reforma da
Previdência avançou e, agora, deverá ser votada em breve pelo Plenário da
Câmara dos Deputados. O texto principal da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 6/2019, do parecer apresentado pelo relator, deputado Samuel Moreira
(PSDB-SP), foi aprovado por 36 votos a 13 na comissão especial e apresentou
mudanças importantes. Entre as principais alterações estão a retirada das
mudanças previstas na aposentadoria rural e do Benefício de Prestação Continuada
(BPC), pago a deficientes e idosos carentes, além da retirada do texto da
criação do sistema de capitalização. O ponto negativo é a não universalização
da reforma, com a não inclusão dos servidores municipais e estaduais nas novas
regras.
A reforma é necessária e quanto menos afetar os mais pobres
e as categorias que atuam em atividades mais penosas e desgastantes, melhor. O
caminho é esse. O papel do governo e dos parlamentares é o de encontrar uma
proposta que atenda aos anseios do trabalhador e segurado do Instituto Nacional
de Seguro Social (INSS) e também ao desenvolvimento econômico do país.
Entretanto, os servidores municipais e estaduais,
responsáveis por grande parte dos gastos federais com previdência no país, não
podem ficar de fora da reforma. Não deve ter nenhuma diferença entre os
trabalhadores privados e públicos, já que o objetivo central e combater as
desigualdades e privilégios do sistema. Temos que universalizar as regras e
chegar em um cenário mais justo.
Vale ressaltar que a última pesquisa Ibope a respeito da
opinião pública sobre a reforma da Previdência mostrou que 79% dos
entrevistados apoiam uma aposentadoria igual para todos. A maioria dos
brasileiros, 82%, consideram que é necessário fazer um esforço para garantir a
aposentadoria de futuras gerações, enquanto 58% dos cidadãos apoiam a reforma
desde que ela traga ganhos econômicos. A proposta apresentada pelo governo
federal conta com o apoio de 44% da população.
São números que refletem o sentimento de que a Previdência
Social brasileira precisa de mudanças, mas todos devem fazer um esforço para um
futuro melhor. A retirada dos Estados e Municípios nesse primeiro avanço da
reforma não atende a essa visão da maioria. E deve ser revisto no Plenário da
Câmara e também no Senado.
Outra grande vitória do trabalhador brasileiro foi a
retirada da capitalização da proposta. O governo permitia, no texto original,
que uma lei complementar instituísse um novo regime de capitalização, em que as
contribuições do trabalhador vão para uma conta, que banca os benefícios no
futuro. O relator, porém, retirou essa possibilidade da capitalização da
reforma, atendendo aos apelos das ruas.
O parecer também trouxe uma boa notícia aos mais
necessitados ao manter as regras atuais do BPC. Isso garante aos mais
necessitados uma garantia de receber um salário mínimo, a partir dos 65 anos. O
governo pretendia que os miseráveis passassem a receber este benefício
integral, apenas aos 70 anos, o que passaria a ser utópica para a maioria
esmagadora da população, já que os mais pobres dificilmente atinge esse idade.
Os trabalhadores rurais também têm o que comemorar, pois forma respeitadas suas
especificidades. Não dá para trará um trabalhador rural com as mesmas regras
dos urbanos.
Também caiu no parecer final a retirada da Constituição de
vários dispositivos que hoje regem a Previdência Social, transferindo a
regulamentação para lei complementar. Vale frisar que a desconstitucionalização
fere cláusulas pétreas da Carta Maior, que prevê um sistema solidário e mais
justo com contribuições de trabalhadores, empregadores e governo. Esse seria um
ponto grave de retrocesso social e de insegurança para os segurados do INSS.
A proposta de reforma enviada pelo governo ao Congresso
prevê quatro regras de transição para os trabalhadores da iniciativa privada. A
primeira é o sistema de pontos: a soma da idade mais o tempo de contribuição,
que hoje é 86 para as mulheres e 96 para os homens. Ela sobe um ponto a cada
ano, chegando a 100 para mulheres e 105 para os homens. A outra é por idade
mínima, que começa em 56 anos para mulheres e 61 para os homens, subindo meio
ponto a cada ano. Em 2031 acaba a transição para as mulheres; homens já atingem
a idade em 2027. Nesses dois casos, é exigido um tempo mínimo de contribuição:
30 anos para mulheres e 35 para homens. Por essa regra, esse mesmo trabalhador
só poderá pedir aposentadoria em 2030, e receberá 84% do benefício a que ele
terá direito.
Quem está a dois anos de cumprir o tempo mínimo de
contribuição que vale hoje, ainda pode se aposentar sem a idade mínima, mas vai
pagar um pedágio de 50% do tempo que falta. Por exemplo, quem estiver a um ano
da aposentadoria deverá trabalhar mais seis meses, totalizando um ano e meio.
Quem quiser se aposentar por idade na transição deverá se enquadrar na seguinte
regra: homens, a idade continua sendo 65 anos; mulheres, vai passar dos atuais
60 para 62 anos em 2023. O tempo de contribuição para mulheres fica em 15 anos
e passa a ser 20 anos para homens em 2029 progressivamente. Nesta opção, ele se
aposenta em 2030, também com 84% da aposentadoria a que tem direito.
Também há regras de transição para os servidores públicos,
com idade mínima de partida: 56 anos mulheres e 61 anos para os homens. Em
2022, as idades mínimas sobem para 57 e 62, e a essa regra se somam também
requisitos como tempo de serviço público mais um sistema de pontos semelhante
ao do setor privado: a soma da idade com o tempo de contribuição.
O relator criou mais uma alternativa de transição que vale
para funcionários públicos e trabalhadores do setor privado. Permite que homens
se aposentem aos 60 anos e mulheres aos 57, desde que cumpram ao menos 35 e 30
anos de contribuição, respectivamente. Mas será preciso pagar um pedágio de
100% sobre o tempo de contribuição restante. Assim, se faltarem dois anos, terá
que trabalhar por quatro anos. Neste caso, o segurado escapa do fator
previdenciário.
Esses são os pontos mais relevantes do atual texto da
reforma. Certamente, ocorrerão mudanças na votação do Plenário da Câmara e,
possivelmente, também no Senado. O essencial é que a reforma tenha um viés de
mudança positiva e universal, sem privilégios.
*João Badari é especialista em Direito Previdenciário e
sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados