Debates
Moro e a credulidade brasileira
Da Redação | 14 de junho de 2019 - 02:11
Por Mário Sérgio de Melo
Credulidade parece ser mesmo um traço atávico do povo brasileiro. Acreditamos na marcha da família com Deus pela liberdade, e apoiamos o golpe militar que promoveu a ilegalidade, a injustiça, o obscurantismo no país por mais de duas décadas. Acreditamos que a ditadura militar foi um momento de sobriedade política e econômica, e não enxergamos que foi quando o Brasil adquiriu sua maior dívida externa, e nem conseguimos saber quantos militares foram corrompidos, é tudo confidencial. Acreditamos que foi o PT e seus governos que inventaram a corrupção na política. Acreditamos que antes ela não existia, e que os outros partidos não a têm como prática usual. Acreditamos que a Petrobras, a OAS, a Odebrecht, a JBS e outras, brasileiras, são as únicas que praticam o suborno para privilegiar seus empreendimentos. Dentro e fora do Brasil.
Acreditamos que o PT desgraçou o país, é o responsável por uma herança maldita que os governos que seguiram, e os governos futuros, não vão conseguir resgatar. Acreditamos que os governos que transformaram o Brasil num protagonista mundial, que realizou obras de infraestrutura visando o pleno emprego e o integridade nacional, que promoveu programas de inclusão social, de educação para os pobres, de moradia popular, que valorizou e incentivou a indústria estratégica nas áreas de petróleo, aeronáutica, estaleiros, foram governos corruptos que nos arruinaram. Acreditamos que políticos arrivistas que se dedicaram ao golpe que afastou o governo popular eram bem intencionados, mesmo depois que eles também são condenados por crimes sobre os quais não paira dúvida, e que não puderam mais ser escondidos.
Acreditamos que os industriais, banqueiros e outros empresários são a máquina que move o país, mas não enxergamos que sabotaram o governo, e com ele o país, para empossar outro governo que lhes fosse mais subserviente, e menos identificado com aqueles que trabalham. Acreditamos que a operação montada para destruir o governo popular, a inserção social, o protagonismo e a soberania nacional era uma operação imparcial destinada a revelar e coibir a corrupção que sangra o país. Acreditamos que brasileiros reconhecidos mundialmente nas áreas da educação, da música, da literatura sejam merecedores de ofensas e repúdio.
Acreditamos (ou desacreditamos) em muita coisa, sem
conseguirmos ter a clareza de entendê-las. Agora acreditamos que os indícios de
parcialidade do juiz Sérgio Moro à frente da Lava Jato devem-se à excessiva
ambição e soberba do magistrado. Qualidades humanas, presentes em todos nós,
exacerbadas em alguns, como poderia ser o caso. Mas não acreditamos que o juiz,
o tribunal regional em que ele legislou, a eleição do homem que se reconhece
incapaz ser eleito presidente, a nomeação do juiz para o ministério por este
homem, tudo faça parte de um orquestrado plano. Para impedir que o Brasil
alcance o status internacional que lhe é credenciado pela extensão continental,
as riquezas naturais, o tamanho da população e da produção econômica.
A crise brasileira deve ser examinada em confronto com
outras crises mundiais: Iraque, Síria, Ucrânia, países do norte da África e do
Oriente Médio na Primavera Árabe, Brexit, Catalúnia, Venezuela... Um
brasileiro, Luiz Alberto Moniz Bandeira, falecido em novembro de 2017, escreveu
um livro nesse sentido. Chama-se “A desordem mundial: o espectro da total
dominação”.
O subtítulo do livro já nos dá uma ideia do que realmente
pode estar por trás das intenções de Moro de da Lava Jato.
Mário Sérgio de Melo é geólogo, professor aposentado do
Departamento de Geociências da UEPG