Debates
Brexit, Trump, Bolsonaro...
Da Redação | 06 de abril de 2019 - 02:05
Por Mário Sérgio de Melo
O que esses três eventos têm em comum? Vendo-se o filme
“Brexit” (Reino Unido, 2018, direção de Toby Haynes), um drama biográfico que
tem sido exibido nos canais HBO, deduz-se que têm tudo a ver.
O fenômeno Brexit, o surpreendente resultado do referendo
realizado em 2016 em que a maioria da população do Reino Unido, num pleito
acirrado, decidiu retirar-se da União Europeia, está demandando penosas
negociações ainda nos dias de hoje, três anos depois. O filme de Toby Haynes
nos mostra algumas notáveis e inusitadas peculiaridades daquele pleito. Logo se
consolidaram dois comandos de campanha, um pelo “sai” outro pelo “fica” dos britânicos
na UE. O bloco do “sai” foi comandado por um competentíssimo profissional das
comunicações, comprometido unicamente com o propósito de vencer, aparentemente
sem vínculo ideológico. Ele, inicialmente recrutado por alguns poucos
parlamentares conservadores, logo rompe com seus recrutadores, por avaliar que
suas engessadas visões levariam à derrota. Então de onde veio o suporte
político e financeiro para a exigente e dispendiosa campanha do Brexit? O filme
revela: veio de ultraconservadores republicanos estadunidenses, que assim
financiaram o enfraquecimento da união de países europeus que poderia vir a
fazer alguma sombra a interesses hegemônicos dos EUA.
O bloco do “fica” foi comandado por profissionais com
ideologia definida e politicamente engajados, que acreditaram que o caminho
para a vitória seria o apelo à inteligência dos eleitores britânicos. Já o
pessoal do “sai” enxergou que a vitória seria conquistada com o apelo ao
emocional, ao irracional. E como calibrar esse apelo ao irracional? O
competente coordenador de campanha contratou os serviços da inovadora empresa
Cambridge Analytica, com um aplicativo com algoritmo capaz de, em tempo real,
monitorar e analisar o fluxo de mensagens nas mídias sociais (facebook,
twitter, etc.), traçar o perfil psicológico dos usuários e conceber novas
mensagens imediatamente disseminadas, com conteúdos cientificamente estudados,
falsos ou não, destinados a atingir os twitteiros no cerne de seus obscurantismos
e assim conduzi-los irracionalmente a votar pelo “sai”.
Essa e outras eficazes estratégias da turma do “sai”, como a
identificação e conquista dos indiferentes que, se não estimulados, nem teriam
ido votar, levou à inesperada vitória do Brexit, que tantos embaraços tem
trazido aos países europeus.
E qual a relação entre o Brexit, Trump, Bolsonaro e
possivelmente outros eventos pelo mundo? Vários indícios de semelhança: a
desvinculação dos ganhadores com a política tradicional, o apelo ao irracional
e não à inteligência, a mesma Cambridge Analytica e o uso de farsas midiáticas
nas três campanhas. No caso de Trump o objetivo foi colocar o governo da maior
potência mundial nas mãos de poderes não identificados com a política
tradicional, mas sem dúvida poderes profundamente enraizados, e nem sempre
visíveis, no cenário político global.
No caso do Brexit e de Bolsonaro, o objetivo parece mesmo
ter sido sabotar dois emergentes protagonistas do arranjo muncial, UE e Brasil,
e conduzi-los a posições mais subservientes às mesmas forças que colocaram
Trump no comando dos EUA.
Diante de tudo isso, resta-nos acreditar que bizarras
afirmações twittadas como “o nazismo é de esquerda” não sejam reles bravatas de
um mente doentia, mas sim produtos cientificamente pesquisados para assegurar
que a população continue refém da irracionalidade.
Brexit, Trump e Bolsonaro também nos dão uma outra lição capital: o apelo unicamente à inteligência não tem força suficiente para convencer; e o apelo unicamente à irracionalidade pode levar-nos a escolhas desastrosas. A mescla razão-emoção, expressa nas palavras sentimento, empatia, compaixão, talvez possa conduzir-nos a escolhas que promovam a emancipação da humanidade.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, Professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG