Debates
A água é um bem inesgotável?
Da Redação | 23 de março de 2019 - 01:20
Por Marcelo Buzaglo Dantas
Apesar de, durante muitos anos, ter sido considerada um
recurso natural infinito, há algumas décadas, o mundo compreendeu que o mau uso
da água pode, sim, ocasionar a sua escassez. Por essa razão, inclusive, a
Organização das Nações Unidas instituiu o dia 22 de março como o Dia
Mundial da Água. O intuito foi alertar a população sobre a necessidade de
refletir sobre a importância da preservação da água para a sobrevivência dos
ecossistemas e sobre as medidas práticas a serem adotadas.
No campo jurídico, aproveitamos esta oportunidade para
debater o que houve de progresso nos últimos anos em termos de políticas
públicas de gestão da água, em especial após o Brasil sediar, pela primeira
vez, o Fórum Mundial da Água no ano passado. Entre os diversos produtos do
referido Fórum, merece destaque o compromisso do governo federal de adotar
políticas e planos nacionais de gestão integrada de recursos hídricos a fim de
garantir o direito constitucional de acesso à água.
No entanto, se fizermos um balanço deste último ano, nota-se
que, embora haja uma quantidade significativa de projetos de lei sobre a
correta gestão da água, pouco se evoluiu efetivamente em termos práticos - em
especial no que se refere ao desenvolvimento de estratégias potenciais como
educação, transferência de tecnologia, incentivos econômicos, mercados, dentre
outros.
Embora o governo anterior tenha iniciado o processo de
revisão e atualização do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) e de seu
marco legal por meio da Medida Provisória n. 868/2018, os projetos de lei que
preveem incentivos econômicos e subsídios para adoção de tecnologias mais
sustentáveis no que tange à gestão da água não saíram do papel. Projetos de Lei
como o PL n. 495/2017, que regulamenta a criação de um “mercado de água”, e os
PLs n. 5733/2009; 182/2015; 377/2015; e outros, que regulamentam incentivos à
adoção de práticas mais sustentáveis, não evoluíram no Legislativo.
Ora, não dá para discutir uma gestão eficiente da água se
não pensarmos na aplicação de políticas públicas integradas, articuladas e
intersetoriais. Vide, por exemplo, o Projeto Oásis, desenvolvido há 12 anos
pela Fundação Grupo Boticário. Trata-se de um instrumento de política pública
econômica, o Pagamento por Serviços Ambientais, que promove a valorização dos
ambientes naturais por meio de mecanismos de incentivo financeiro a
proprietários que se comprometam com a conservação das áreas naturais e a
adoção de práticas conservacionistas de uso do solo.
Outro exemplo é o adotado em Tóquio, que não apenas investiu
em tecnologias limpas, como inseriu a temática de educação ambiental nas
escolas do município desde a década de 1970, criando, inclusive, programas de
capacitação técnica. Nota-se, portanto, que, apesar das discussões terem
avançado, a gestão eficiente da água ainda depende de políticas públicas
regionais e setoriais de amplo descortino político e que não apenas punam, mas
que também incentivem a adoção de técnicas de preservação ambiental. Sem
incentivos econômicos e educação ambiental, não há como se discutir melhorias
na gestão eficiente da água no Brasil.
Marcelo Buzaglo Dantas é advogado, pós-doutor em Direito
Ambiental, Transnacionalidade e Sustentabilidade pela UNIVALI/SC, professor
visitante da Universidad de Alicante (ES) e da Delaware Law School (EUA) e
membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.