Paulo Coelho
Pensando um pouco na morte (07/07)
Pensando um pouco na morte (07/07)
Da Redação | 07 de julho de 2018 - 00:36
Creio que esta minha coluna é lida em aproximadamente três minutos. Pois
bem: segundo as estatísticas, neste espaço de tempo irão morrer 300 pessoas, e
outras 620 nascerão.
Talvez eu demore meia-hora para escrevê-la: estou concentrado no meu
computador, com livros ao meu lado, ideias na cabeça, carros passando lá fora.
Tudo parece absolutamente normal à minha volta; entretanto, durante estes
trinta minutos, 3.000 pessoas morreram, e 6.200 acabam de ver, pela primeira
vez, a luz do mundo.
Onde estarão estas milhares de famílias que apenas começaram a chorar a
perda de alguém, ou rir com a chegada de um filho, neto, irmão?
Paro e reflito um pouco: talvez muitas destas mortes estejam chegando no
final de uma longa e dolorosa enfermidade, e certas pessoas estão aliviadas com
o Anjo que veio buscá-las. Além do mais, com toda certeza, centenas destas
crianças que acabam de nascer serão abandonadas no próximo minuto, e passarão
para a estatística de morte antes que eu termine este texto.
Que coisa. Uma simples estatística, que olhei por acaso - e de repente
estou sentindo estas perdas e estes encontros, estes sorrisos e estas lágrimas.
Quantos estão deixando esta vida sozinhos, em seus quartos, sem que ninguém se
dê conta do que está acontecendo? Quantos nascerão escondidos, e serão
abandonados na porta de asilos ou conventos?
Reflito:
já fui parte da estatística de nascimentos, e um dia serei incluído no número
de mortos. Que bom: eu tenho plena consciência de que vou morrer. Desde que fiz
o caminho de Santiago, entendi que – embora a vida continue, e sejamos todos
eternos – esta existência vai acabar um dia.
As pessoas pensam muito pouco na morte. Passam suas vidas preocupadas
com verdadeiros absurdos, adiam coisas, deixam de lado momentos importantes.
Não arriscam, porque acham que é perigoso. Reclamam muito, mas se acovardam na
hora de tomar providências. Querem que tudo mude, mas elas mesmas se recusam a
mudar.
Se pensassem um pouco mais na morte, não deixariam jamais de dar o telefonema
que está faltando. Seriam um pouco mais loucas. Não iam ter medo do fim desta
encarnação – porque não se pode temer algo que vai acontecer de qualquer jeito.
Os índios dizem: “hoje é um dia tão bom quanto qualquer outro para
deixar este mundo”. E um bruxo comentou certa vez: “que a morte esteja sempre
sentada ao seu lado. Assim, quando você precisar fazer coisas importantes, ela
lhe dará a força e a coragem necessárias”.
Espero que você, leitor, tenha chegado até aqui. Seria uma bobagem
assustar-se com o título, porque todos nós, cedo ou tarde, vamos morrer. E só quem aceita isso está preparado para a
vida.
Reflexão
De Robert Fulghum (em “Tudo que eu
precisava saber aprendi no jardim de infância”):
“Uma boa parte do meu trabalho como pastor está ligado à morte e aos
mortos”. O quarto de hospital, o cemitério, os ritos finais. Estas coisas
terminaram por moldar a minha vida de uma maneira muito diferente. Eu já não
fico tanto tempo pensando que a grama está alta, nem engraxo meus sapatos de modo
que fiquem brilhando como espelho. Eu já não buzino quando o sinal abre, e o
carro da frente não anda. Tampouco fico preocupado em matar aranhas que fizeram
suas teias na minha igreja.
“Muito pelo contrário: quando tenho um tempo livre, vou até a Taverna
Búfalo, e escuto a banda que está tocando. Um índio pede silêncio, nos olha, e
diz: “o que vocês estão esperando? Venham dançar!”
“E eu vou. Danço e me divirto. Sem nenhuma sensação de pecado”.