Paulo Coelho
O processo criativo
Administrador | 21 de janeiro de 2017 - 01:17
Todo processo criativo, seja ele na literatura, na engenharia, na informática - e até mesmo no amor - respeita sempre um mesmo padrão: o ciclo da natureza. A seguir, listo as etapas deste processo:
a] aragem do campo: no momento em que o
solo é revirado, o oxigênio penetra onde antes não conseguia. O campo ganha um
novo rosto, a terra que estava em cima agora está embaixo, e o que estava
embaixo transformou-se em superfície. Este processo de revolução interior é
muito importante – porque, da mesma maneira que o novo rosto daquele campo irá
ver a luz do sol pela primeira vez, e deslumbrar-se com ela, uma reavaliação
dos nossos valores permitirá ver a vida com inocência, e sem ingenuidade.
Assim, estaremos preparados para o milagre da inspiração. Um bom criador tem
que saber estar sempre revirando seus valores, e jamais ficar contente com
aquilo que julga entender.
b] a semeadura: toda obra é fruto do contato com a vida. O
homem criador não pode trancar-se em uma torre de marfim; precisa estar em
contato com o próximo, e compartilhar sua condição humana. Nunca vai saber, de
antemão, quais as coisas que serão importantes no futuro, de modo que, quanto
mais intensa sua vida, mais possibilidades tem de encontrar uma linguagem
original. Le Corbusier dizia que “enquanto o homem quis voar imitando os
pássaros, nunca conseguiu.” O mesmo se passa com o artista: embora ele seja um
tradutor de emoções, a linguagem que ele está traduzindo não é inteiramente
conhecida por ele, e se tentar imitar ou controlar a inspiração, jamais chegará
onde deseja. Ele precisa permitir que a
vida semeie o campo fértil do seu inconsciente.
c] a maturação: existe um tempo onde a obra
se escreve sozinha, com liberdade, no fundo da alma do autor - antes que este
se atreva a manifestá-la. No caso da
literatura, por exemplo, o livro está influenciando o escritor, e vice-versa. É
sobre este momento que o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade se refere,
ao dizer que jamais devemos tentar recolher os versos que se perdem, pois eles
não mereciam ver a luz do dia. Conheço gente que, durante a maturação, fica
compulsivamente tomando notas de tudo que passa pela cabeça, sem respeitar
aquilo que está sendo escrito no inconsciente. O resultado é que as notas,
frutos da memória, terminam atrapalhando os frutos da inspiração. O criador
precisa respeitar o tempo de gestação, embora saiba que - assim como o
agricultor - ele só tem parcial controle do seu campo; está sujeito a seca, ou
a inundações. Mas, se souber esperar, a planta mais forte, que resistiu às
intempéries, virá à luz com toda sua força.
d] a colheita: é o momento que o homem vai manifestar em um
plano consciente aquilo que ele semeou e deixou maturar. Se colher antes, a
fruta está verde, se colher depois, a fruta está podre. Todo artista sabe
reconhecer a chegada deste momento; embora certas perguntas ainda não tenham
maturado o suficiente, certas idéias ainda não estejam claras e cristalinas,
elas irão se re-organizar à medida que a obra está sendo feita. Sem medo, e com
disciplina, ele entende que é preciso trabalhar de sol a sol, até que seu
trabalho esteja completo.
E o
que fazer com os resultados da colheita? De novo, olhamos a Mãe Natureza: ela
compartilha tudo com todos. Um artista que quer guardar sua obra para si mesmo,
não está sendo justo com o que recebeu do momento presente, nem com a herança e
os ensinamentos de seus antepassados. Se deixarmos os grãos estocados no
celeiro,eles terminarão apodrecendo, embora tenham sido colhidos no momento
certo. Quando a colheita termina, chega o momento em que é preciso dividir, sem
medo ou vergonha, a sua própria alma.
Essa é a missão do artista, por mais
dolorosa ou gloriosa que seja.