Debates
Aposentado que continua no mercado de trabalho poderá perder FGTS
Da Redação | 26 de fevereiro de 2019 - 01:22
Por Daniel Moreno
O Governo Bolsonaro entregou e apresentou ao Congresso Nacional no último dia 20 de fevereiro a proposta de Reforma da Previdência. Entre todas as mudanças, uma delas diz respeito a um tema que interfere nas relações trabalhistas e deve gerar muita discussão: o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Caso seja aprovada pelos parlamentares a Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) 6/2019, serão instituídos o fim da obrigatoriedade de
recolhimento de FGTS e o consequente pagamento da multa de 40% aos empregados
já aposentados pela Previdência Social.
Mas o que esta mudança significa? Trata-se de uma possível
perda de direitos que ainda não está clara. Isto porque, com a mudança, o
beneficiário pode perder o direito a multa de 40% sobre o saldo do período em
que ainda não era aposentado.
Inicialmente, cumpre esclarecer que, ao contrário do que
muitos pensam, o Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço não é descontado do
salário do trabalhador, ou seja, é um custo do empregador, que recolhe
mensalmente 8% sobre a remuneração do trabalhador.
Vejamos como exemplo um empregado que se aposentou após 30
anos de trabalho em uma mesma empresa: com a Lei atual, caso ele se aposente,
saque o saldo do FGTS, siga trabalhando mais 5 anos no mesmo empregador e seja
dispensado, ele terá direito a multa de 40% do FGTS, que deverá ser calculada
sobre todos os 35 anos de FGTS, mesmo que a conta esteja sem saldo no momento
da rescisão.
Por outro lado, caso a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) 6/2019 seja aprovada com o texto atual, usando o mesmo exemplo acima, não
fica claro se o funcionário terá direito à multa de 40% sobre os 30 anos, sobre
35 anos, ou se não terá direito a multa alguma.
A multa fundiária de 40% é um direito material e, via de
regra, ao direito material se aplica a norma vigente a época do “fato gerador”
da multa, ou seja, a Lei vigente na data da rescisão. Assim, no exemplo acima,
uma das teses, seria a de que o trabalhador dispensado não teria direito a
multa alguma.
Já com relação aos depósitos fundiários mensais de 8%, uma
das teses seria a de que o trabalhador contratado antes da entrada em vigor da
nova Lei não perderia o direito ao FGTS, uma vez que o contrato de trabalho
teria sido celebrado nos termos da Lei anterior, tratando-se de um direito
adquirido.
Se aprovada, a alteração deve gerar insegurança para
empregados e empregadores, com o surgimento de inúmeras teses jurídicas sobre o
tema, que ficarão a cargo de interpretação da Justiça.
Há divergências no mundo jurídico sobre o FGTS se tratar de
uma cláusula pétrea ou não. Como se sabe, cláusulas pétreas não podem ser
alteradas e, em tese, a retirada desse direito poderia ser considerada
inconstitucional. O tema, se aprovado, certamente será alvo de ADIN – Ação
Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
O fim da obrigatoriedade de aderir ao depósito no FGTS aos
aposentados é algo considerado preocupante por conta da perda de um elemento de
seguridade para o trabalhador e do impacto nos investimentos públicos em
saneamento, moradia popular e infraestrutura. Isso aconteceria por conta dessas
áreas se utilizarem dos recursos obtidos pelo governo a partir das poupanças do
fundo de garantia.
É fato que é necessário que o governo resolva o déficit da
previdência e que equilibre as contas do país. Entretanto, é mais justo
socialmente que isso seja feito com o apoio de todos os grupos da sociedade,
sem a preservação de privilégios e a perda da proteção social garantida pelo
Estado a uma parcela mais frágil da população.
A ideia seria incentivar os empregadores a contratar
aposentados, o que me parece louvável, mas seria justo endurecer as regras da
aposentadoria e retirar um direito trabalhista de uma única vez?
Também não se mostra razoável manter a obrigatoriedade do
desconto previdenciário do aposentado que continua na ativa, uma vez que o
mesmo já se aposentou e não terá nenhuma contrapartida com a respectiva
contribuição. Essa sim seria uma boa medida.
O projeto de reforma seguirá em debate, com críticas e defesas ao longo do primeiro semestre do ano em que o governo buscará com que ele siga em frente. É recomendável que os trabalhadores favoráveis a essa proteção e à manutenção do FGTS fiquem atentos aos próximos capítulos e que se posicionem em meio à disputa em torno da reforma da Previdência. Muitos interesses e direitos estão em jogo.
Daniel Moreno é especialista em Direito Previdenciário e
Trabalhista e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados.