Debates
Bolsonaro, a casa e a rua
Da Redação | 20 de fevereiro de 2019 - 01:34
Por Elton Duarte Batalha
Os primeiros movimentos do governo Jair Bolsonaro evidenciam uma característica
brasileira bastante nociva quando se trata da discussão dos interesses da
sociedade: a confusão entre os campos privado e público. Tal aspecto fica claro
na interferência que a atuação presidencial vem sofrendo em decorrência do
vínculo do principal mandatário do país com seus filhos, especialmente com
Carlos Bolsonaro.
Desde a posse, o presidente da República tem enfrentado
sucessivas crises, de maior ou menor porte, como efeito de atitudes de seus
filhos, o senador Flávio, o deputado federal Eduardo e o vereador carioca
Carlos. O primeiro passa por investigação devido à suspeita quanto à
movimentação financeira de um assessor e o segundo se posiciona de maneira
talvez exagerada em relação a assuntos de política externa, que seriam da
alçada do ministro das Relações Exteriores. Esses casos, porém, poderiam causar
algum constrangimento a Jair Bolsonaro, mas em nada se comparam ao ocorrido
recentemente na relação entre Carlos Bolsonaro e Gustavo Bebianno, então
ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Sem exercer oficialmente nenhum cargo no governo federal,
Carlos tem demonstrado publicamente exercer influência exacerbada sobre os atos
políticos de Jair Bolsonaro. O papel de eminência parda, porém, é mais delicado
neste caso, pois o vínculo familiar que embasa o referido poder é estranho ao
conceito de república e desnuda o fato de que o Brasil ainda precisa
modernizar-se culturalmente para fazer jus a determinadas instituições. A
racionalidade que deveria pautar a atuação governamental é deixada de lado em
favor dos vínculos afetivos dos ocupantes do poder. Nesse sentido, Max Weber e
Sérgio Buarque de Holanda são fundamentais para entender o momento em que o
país mostra, de forma exuberante, sua pré-modernidade.
O verniz republicano do Brasil demanda que algo seja feito
para impedir a continuidade da confusão entre os assuntos públicos e privados.
As questões familiares na relação entre Jair e Carlos não deveriam influenciar
a gestão da coisa pública em uma sociedade juridicamente organizada na forma de
Estado atualmente. A escolha democrática realizada pelos brasileiros nas
eleições de 2018 não foi feita com o objetivo de transformar o país em um
território dominado por uma família. Em algum momento, o presidente da
República deverá ser conduzido institucionalmente para o exercício do poder a
distância dos filhos. A realização de reunião com ministros na presença de
algum dos rebentos, por exemplo, é algo inadmissível diante do sigilo que deve
ser mantido em relação a determinados assuntos para o bem da segurança
nacional. O Brasil, caracterizado historicamente pela busca da figura paterna
na política, não precisa de um pater famílias na caminhada em busca da
modernização.
Com menos de dois meses de governo e antes de qualquer reforma estrutural mais
profunda, já é chegado o momento de a estrutura estatal ser utilizada para
distinguir a casa (questões privadas) e a rua (questões públicas), dois
ambientes frequentemente confundidos na realidade nacional em terminologia
assaz esclarecedora trazida ao debate público por Roberto DaMatta. Enquanto
isso não for feito, o governo tende a enfrentar crises sucessivas em
decorrência de problemas relacionais. Para a saúde institucional do país, é
hora de o pai Jair despedir-se do presidente Bolsonaro para que este possa
governar em relativa paz.
Elton Duarte Batalha é advogado, doutor em Direito pela Universidade de
São Paulo e professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.