Debates
Afeto como elemento basilar da relação familiar
Da Redação | 09 de janeiro de 2019 - 01:33
Por André Vieira Saraiva de Medeiros
A família sofreu inúmeras modificações ao longo dos anos e –
por consequência do processo evolutivo – a concepção de parentalidade foi
extensivamente alterada, sob influência direta da centralidade do princípio da
dignidade da pessoa humana. Inicialmente, a filiação era vinculada basicamente
no elemento biológico, com pouco espaço para o reconhecimento e desenvolvimento
de outros vínculos.
Atualmente, entretanto, o afeto surge como elemento basilar
da relação familiar, prestigiando a crença popular de que “pai é quem cria”.
Reconhece-se, então, a ideia da paternidade socioafetiva, pautada não mais na
ascendência genética, mas na posse de estado de filho, consubstanciada na
relação duradoura do tratamento de pai e filho, na fama depositada no meio
social dessa relação parental responsável e, muitas vezes, até na utilização do
nome dos genitores que surgiram dessa nova relação de amor e carinho.
Com a recepção pelo nosso ordenamento jurídico de diferentes
tipos de filiação (biológica, registral, socioatefiva, adoção, etc.), as
famílias podem apresentar, dependendo fundamentalmente da análise casuística,
multiplicidade de vínculos parentais, explicitando a atipicidade dos modelos de
famílias previstos na Constituição Federal. Fica evidente, portanto, a possibilidade
de convivência harmônica entre diversos vínculos parentais, sem a necessidade
de exclusão ou prevalência das paternidades, seja socioafetiva ou biológica.
Tanto é verdade, que o Supremo Tribunal Federal na
Repercussão Geral 622 firmou a seguinte tese: “A paternidade socioafetiva,
declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de
filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos
próprios”. Confere-se, finalmente, status constitucional para os institutos da
paternidade socioafetiva e da multiparentalidade. Na mesma toada, foi editado o
Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça, possibilitando o reconhecimento
da paternidade e maternidade socioafetiva de forma extrajudicial, vale dizer,
diretamente nos Cartórios de Registro Civil.
Finalmente, à luz dos inafastáveis princípios do melhor
interesse do incapaz e da dignidade da pessoa humana, a compreensão jurídica
cosmopolita das famílias exige proteção normativa de todas as formas pelas
quais a parentalidade possa se manifestar, assegurando-se que os arranjos
familiares alheios à regulamentação estatal, ainda que por omissão, tenham a
devida tutela jurídica, para todos os fins de direito, a fim de prover a mais
adequada e ampla legitimidade aos sujeitos envolvidos. Merecendo destaque o
papel do Ministério Público em identificar e assegurar, no caso concreto, a
devida proteção aos diversos vínculos parentais, assumindo, assim, seu papel
constitucional de agente facilitador de atos de cidadania.
Promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná,
atualmente titular da 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de São José dos
Pinhais, com atuação em Direito de Família, Registro Público e Direito
Sucessório.