Debates
O bombardeio sobre o supremo
Da Redação | 12 de dezembro de 2018 - 02:26
Por Gaudêncio Torquato
Não há como negar o
fato: a mais alta Corte do país tem sido alvo de polêmica, que abriga
posicionamentos de seus membros, alguns considerados suspeitos de tomar
decisões sob influência política ou por ligações de amizade com figurantes
controversos da cena institucional. O fato é que o Supremo Tribunal Federal
sofre um bombardeio não apenas de grupos e setores que se sentem incomodados
por suas decisões, mas de cidadãos comuns, como nesse episódio envolvendo um
advogado e o ministro Ricardo Lewandovski.
Após dizer que o Supremo
“é uma vergonha”, o ex-presidente do STF perguntou se ele queria ser preso. A
cena diz muito sobre a escalada crítica a que, nos últimos anos, tem sido
submetida a tríade dos Poderes, a começar pelo Judiciário. Quando se constata
que a nossa mais elevada Corte já não figura como o sagrado altar da Pátria,
respeitada pela sapiência de seus membros, reverenciada em tempos idos pela
nobreza, dignidade e independência, virtudes inerentes à guardiã da Lei Maior,
há de se concluir que graves distorções pairam sobre a vida institucional.
O acervo negativo tem
muitas fontes, entre elas o processo de escolha dos magistrados, onde se
observa viés político; a ausência de regulamentação de dispositivos
constitucionais, que obriga o Supremo a adentrar o território legislativo; e,
nos últimos tempos, a própria índole da instituição, que ganhou a imagem de
poderosa corte criminal. Enxergar o STF como casa afamada pela condenação a
perfis com foro privilegiado é, convenhamos, uma grave distorção.
Comecemos por aí. Desde o
mensalão (Ação Penal 470), o Supremo cobriu-se com o manto de tribunal criminal
por mais que sua ação tenha se estendido a outros importantes nichos temáticos.
Mas o matiz político se adensou na esteira de ilações e inferências sobre
condenações de figuras e partidos.
A polarização política
que se acentuou, desde então, cuja marca mais forte pode ser vista no lema “nós
e eles” (de autoria do lulo-petismo), acabou respingando em alguns membros da
Suprema Corte. A Operação Lava Jato, em curso, ampliou o bombardeio crítico, e
as decisões de altos magistrados têm sido inseridas em campos carimbados com as
referências “simpatia” e “antipatia” em relação a alguns protagonistas.
Portanto, os ministros foram jogados em terrenos da política partidária, com um
ou outro formando grupos de decisão. O arremate emerge naturalmente na
interlocução cotidiana: “esse é ligado a fulano, aquele a sicrano”.
A suspeição tem aumentado
sob o fluxo do divisionismo político que recorta o país em bandas. E ainda em
função da pressão da representação política para pôr um ponto final na Operação
Lava Jato, que se apresenta como o inferno a aguardar o ingresso de novos
visitantes. E, ao que se percebe, a continuidade dos processos estaria
garantida sob imensa teia de apoio social e a disposição do futuro governo de
estender, no que lhe compete, as tarefas de combate à corrupção política.
Outro fio do novelo é
puxado pelo Poder Legislativo. Ao deixar solto um conjunto de dispositivos da
CF de 88, sem legislação infraconstitucional, os congressistas abriram o espaço
para a Suprema Corte agir. Não há vácuo no poder. Os ministros ocuparam os
vazios que os parlamentares abriram. A acusação de politização do Judiciário
tem no Parlamento, portanto, sua principal fonte. Se uma questão chega ao
Supremo – e não está regulamentada – Suas Excelências acabam dando sua
interpretação. E os exageros tendem a aparecer, como as incursões de ministros
no terreno das privatizações ou do indulto a presos, prerrogativa do Poder
Executivo.
Os caminhos erráticos
podem ser corrigidos? Sim. O STF não pode querer ser o protagonista central da
cena institucional. Deveria se preservar. Adotar uma liturgia de poder com respeito
aos valores e às virtudes da mais alta Corte: a moderação, a sabedoria, a
discrição. A TV Justiça acaba sendo um espelho de vaidades.
Que o novo ciclo político a se abrir acolha com fervor a letra da nossa Constituição: independência, harmonia e autonomia dos Poderes.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da
USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato