Debates
Autocrítica da crise (mea-culpa dos dissimulados)
Da Redação | 25 de setembro de 2018 - 01:05
Por Mário Sérgio de Melo
Vivemos um momento de crise sem precedentes, ninguém
discorda. O desemprego avança, o crescimento e os investimentos estagnados, a
dívida pública cresce, direitos trabalhistas regridem, a miséria volta a fazer
parte do cotidiano, o fascismo, o ódio e a violência revelam-se sem escrúpulos,
a juventude não acredita na educação nem no futuro do país, prefere sair do Brasil.
Mas isso não é tudo. Os políticos e o judiciário estão desmoralizados, a mídia
nunca foi tão facciosa, o cidadão comum está confuso diante de informações
manipuladas ou falseadas.
Como chegamos a isso? Ao procurar respostas, é bom que
tenhamos consciência de quais cérebros estamos empenhando nessa procura: o
cérebro ancestral reptiliano, movido a instintos básicos de sobrevivência e
domínio territorial? o cérebro límbico, movido a laços de sangue, amizade e
compadrios, estes muitas vezes ilícitos? ou o neocórtex, responsável pelo
raciocínio lógico, a reflexão capaz de estabelecer relações de causa e efeito?
Do necessário equilíbrio de desempenho destes três cérebros
nascem a coragem, a compaixão, o discernimento. Essenciais se almejamos uma
sociedade mais justa, mais solidária, mais humanizada. Caso contrário podemos
descambar para o ódio, a segregação, o nepotismo ou a crueldade e a dominação aparelhadas
pela ciência.
Muito se tem falado das razões da crise: a herança maldita
deixada pelos governos anteriores; a incapacidade do partido que dirigiu o país
de fazer autocrítica e corrigir seus erros. Diante da crise, é imperioso fazer
crítica imparcial. Talvez o maior erro do partido que dirigiu o país tenha sido
submeter-se aos poderosos e afastar-se da população que o elegeu, que não o
defendeu no momento de enfrentar a sabotagem do golpe. O principal partido que
estava na oposição cometeu erros? Tasso Jereissati, seu conceituado ex-presidente,
acaba de reconhecer vários erros graves: a contestação do resultado eleitoral, inconformismo
que estremeceu a democracia; o apoio a pautas-bomba que impediram o governo de
governar; o apoio ao governo Temer que traiu o programa que o elegeu e
aprofundou a crise; o não expurgo do senador Aécio quando este foi flagrado em
conversas e acordos inadmissíveis para um homem público de bem.
Mas o mea-culpa da crise não deve restringir-se aos
políticos e seus partidos. A grande mídia já os questiona amiúde. E quem tem
questionado a grande mídia? Quem tem questionado as corporações nacionais e transnacionais
e seus lobbies? Quem tem questionado o papel desse ente quase fabuloso, o
intangível mercado? Quem tem questionado interesses externos empenhados em
fazer fracassar o Brasil próspero e soberano, pois a eles interessa ter-nos
como permanente colônia com mão de obra barata, exportadora de matérias primas
para depois importá-las industrializadas?
O Brasil parece encontrar-se numa encruzilhada: ou
escolhemos um caminho de violência e ódio, ou um caminho de submissão aos
rapinantes interesses externos e seus prepostos locais, ou um caminho de
justiça social e soberania nacional. O equilíbrio entre nossos cérebros, a
garra, a compaixão, a razão, deverá ajudar-nos a fazer uma análise equilibrada.
Não podemos continuar discutindo política como passionalmente discutimos
futebol, religião, os nossos ídolos esportivos.
Oxalá logremos esse equilíbrio. Oxalá acordemos para o papel
que têm exercido entre nós todos os grandes protagonistas da nossa realidade. Mas,
sobretudo, que logremos ser capazes de avaliar o papel mais importante: a nossa
própria conduta e exemplo, o nosso voto.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, Professor do Departamento de
Geociências da UEPG