Debates
Tempestades Perfeitas
Administrador | 15 de dezembro de 2016 - 02:01
Por Wanda Camargo
Estamos sob o impacto das notícias sobre a queda de avião
que matou dezenas de atletas, jornalistas, e tripulação, em voo que levaria o
time do clube de futebol Chapecoense para disputar a Copa Sul-Americana na
Colômbia. Além das perdas humanas, perdeu-se uma equipe desportiva que vinha
encantando pela trajetória vitoriosa, em apenas sete anos, da quarta à primeira
divisão do futebol nacional. Embora ainda seja prematura qualquer
conclusão sobre as causas do acidente, segundo especialistas o avião envolvido
não teria autonomia de voo para a distância a percorrer entre o aeroporto de
origem e o de destino, dentro das regras internacionais que exigem uma reserva
de combustível para eventualidades. Aparentemente já havia feito essa rota
anteriormente, evitando o inconveniente e talvez o custo de uma escala de
reabastecimento.
Um acidente marítimo que chocou o país ocorreu no réveillon
de 1988, a embarcação “Bateau Mouche IV” naufragou na Baía de Guanabara com 142
pessoas a bordo, das quais 55 morreram. As investigações revelaram que havia
mais do dobro do número de pessoas permitido a bordo; foram feitas reformas no
barco que alteraram perigosamente seu centro de gravidade; as vigias não eram
estanques e com o excesso de peso ficaram abaixo da linha d’água permitindo
alagamento do porão; para ver melhor a queima de fogos na praia os passageiros
se deslocaram todos para um só lado do barco. Com tudo isto, uma onda mais
forte do que o esperado deflagrou o acidente. Uma soma de ganância e
irresponsabilidade criminosas que ainda não foi punida.
Fala-se que para haver certo tipo de tragédia é necessária
uma “tempestade perfeita”, a conjugação de vários fatores que, somados,
levariam ao desenlace. Infelizmente temos constatado que tal tempestade
acontece com muito maior frequência do que imaginaríamos.
Situações imprevistas podem ocorrer, e ocorrem, em aviação,
navegação, direção de veículos, práticas desportivas, até em simples
caminhadas; a observância das regras cabíveis aumenta a possibilidade de que
estas situações não redundem em nada mais grave do que um inconveniente.
Manutenção cuidadosa, respeito às lotações e cargas permitidas, uso de
equipamentos de segurança, condicionamento físico e mental adequados,
obediência às leis e regras. Nada disso evitará vendavais, nuvens
cúmulo-nimbos, ressacas marítimas, motoristas embriagados, veículos
desgovernados e outros fatores naturais ou humanos que podem causar acidentes,
mas aumentará as chances de evita-los ou reduzir seus danos.
Muitos motoristas correm riscos desnecessários como dirigir
sob efeito de álcool ou drogas, em velocidade excessiva, e se tem a sorte de
ficar ilesos sua convicção de que são “corajosos”, “aventureiros”, “protegidos”
será reforçada e provavelmente repetirão a imprudência, aumentando a possibilidade
de que algo não dê certo para eles e os demais.
Os dois acidentes (entre outros) que enlutaram e enlutam o
país aconteceram em parte devido a esse excesso de confiança, infundada, já se
havia feito rota aérea com combustível sem reserva de segurança, já se havia
lotado o barco muito acima do razoável, e nada havia acontecido de mal, até que
infelizmente aconteceu.
Algumas vezes, temas trágicos são utilizados por professores
para conduzir alunos a uma reflexão sobre o mundo em que vivemos, nossos comportamentos
– adequados ou não – e a necessidade de sermos um pouco mais solidários.
Não tem sido fácil: a imprudência, a temeridade, a desorganização e ausência de competência no exercício profissional podem se tornar contraexemplos para qualquer atividade pedagógica.
Wanda Camargo – educadora e assessora da
presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.