Charge
Escola Pública com muitas religiões, sem diálogo entre elas!
Da Redação | 11 de novembro de 2017 - 01:58
Por Prof. Ascânio João
Para os que estudam a história do Brasil e da América
Latina, é clássica a reflexão acerca do Padroado ou Patronato. A organização
das colônias e, no Brasil, do Império, definia a religião do estado e,
especialmente, como e onde atuariam a religião e os seus líderes. Esse modelo
persistiu, teoricamente, até a proclamação da República. No último dia 27 de
setembro, tivemos a reimplantação deste paradigma nas escolas do Brasil, em
decisão apertada da mais alta corte de nosso país.
O artigo 33 da LDB – Lei 9394/96, que trata do
Ensino Religioso, teve a primeira alteração da LDB, exatamente pela questão que
agora voltou à tona. Na primeira versão, de dezembro de 1996, era previsto um
espaço-tempo, na escola pública, para cada organização religiosa ou um conjunto
delas ocuparem seus fiéis com catequese ou formação religiosa específica, sem
ônus para o estado. Na versão de julho de 1997, em consonância com o conceito
constitucional, volta o Ensino Religioso a fazer parte da educação básica do
cidadão (não do fiel), assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa
do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo (redação
dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997). Mesmo em sintonia com as diversas
organizações religiosas, o Ensino Religioso não será uma invasão das religiões
na escola pública visando aprofundar conhecimentos específicos de seus membros
já assumidos.
Os redatores do acordo entre o Brasil e a Santa Sé retomaram,
praticamente, a redação original do artigo 33 da LDB, o que gerou a
ação da Procuradoria Geral da República no sentido de impedir que o Ensino
Religioso, nas escolas públicas, fosse loteado por religiões específicas e
ministrado por representantes dessas confissões religiosas; evitar-se-ia que a
escola pública se transformasse em extensão de cada uma das múltiplas tradições
religiosas que, legitimamente, atuam no país. De um espaço de conhecimento e de
convite ao diálogo, voltaria a ser a formação e doutrinação específica.
Trabalho há 31 anos com Ensino Religioso não confessional,
em sala de aula e na formação de professores desta área de conhecimento.
Acredito neste caminho educacional como construção das bases de uma sociedade
mais dialógica, que assume as diferenças como riquezas da cultura construída,
inclusive com as interfaces das experiências religiosas pessoais e coletivas.
Não consigo imaginar a formação cidadã de nossas crianças e adolescentes sem um
componente histórico e crítico acerca das construções de sentido para a vida
–chamadas de tradições ou experiências religiosas - no espaço curricular
do Ensino Religioso.
Mesmo atuando em instituições mantidas por entidades
confessionais, quando meus alunos me perguntavam, depois de um ano de aulas de
Ensino Religioso, qual era a minha religião, eu admitia: consegui ajudá-los a
conhecer várias tradições e experiências religiosas numa perspectiva mais
respeitosa, mais humana, com menos julgamento e mais acolhimento da diferença.
Talvez seja esta a demanda desses tempos com tantos juízos, tanta violência,
tanta discriminação, tanto ódio e desconhecimento.
Que a sociedade brasileira não admita retroceder em questões
fundamentais já conquistadas, tanto em seu convívio social quanto no interior
de suas escolas.
Prof. Ascânio João (Chico) Sedrez é Mestre em Ciências da Religião e Diretor do Colégio Marista Glória.