0412-ANU-3801

OS DESAFIOS DA TRIBUTAÇÃO NO CENÁRIO DIGITAL

A base do sistema tributário brasileiro é basicamente a mesma que regia o país há mais de 50 anos, quando houve a repartição entre as três esferas da Federação: a União ficaria com o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), os estados com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e os municípios receberiam o Imposto Sobre Serviço (ISS) - onerando respectivamente indústria, comércio e prestadores de serviço. Dessa forma, o modelo tributário brasileiro foi montado com base em uma sociedade e em um cenário absolutamente diferente daquele que existe hoje.

Entre os aspectos que diferem do que havia há mais de cinco décadas está a economia digital, que tem como base os negócios e relações que existem pelos meios digitais. Com a internet, inúmeros novos serviços que não estão contemplados na Constituição Federal surgiram e exigem dos juristas uma capacidade de adaptação das normas técnicas para que seja estabelecido qual o imposto que recai sobre cada uma dessas novidades. A grande dificuldade está justamente em adequar determinados serviços a uma classe específica da legislação. A advogada e professora Betina Treiger Grupenmacher, autora de inúmeras obras sobre o Direito Tributário e vice-presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OABPR), acredita que o país precisa de uma mudança no marco regulatório das atividades tecnológicas. Mesmo assim, para ela isso é insuficiente para solucionar a questão. “Este é um problema macro porque, além da alteração da legislação que envolve a questão tecnológica, nós precisamos de uma reforma na legislação tributária”, explica.

No entanto, há mais um obstáculo a ser superado: “a Constituição Federal não contempla essas novas atividades tecnológicas”, segundo Betina, o que dificultaria a concepção da reforma tributária. “A Constituição prevê a tributação para várias circunstâncias específicas, para vários fatos geradores de tributos, mas na minha opinião, não é possível encaixar e adequar muitas dessas novas tecnologias”, comenta.

Os debates a esse respeito começaram ainda com os serviços de provimento de acesso à internet, quando os estados tentavam receber os impostos alegando tratar-se de serviço de telecomunicação e, portanto, deveriam enquadrar-se ao ICMS, enquanto os municípios argumentavam que seriam serviços de processamento de dados e, portanto, tributáveis sob as regras do ISS. Como não havia qualquer previsão legal que pudesse sustentar a decisão, a jurisprudência não deu razão a nenhum dos argumentos. Conforme explica Betina, a internet hoje não é necessariamente a inovação tecnológica em questão. “Ela entra como serviço de comunicação, que já temos na constituição, o problema são os serviços que se equivalem da internet”, explica a advogada, citando atividades como o blockchain, as criptomoedas e o streaming. “Os fatos previstos na Constituição são muito diferentes daqueles relativos às inovações tecnológicas”, continua Betina. Ela explica que o principal desafio do jurista atualmente é “tentar subsumir, fazer a correspondência entre o fato da vida real e aquele que está previsto na Constituição”. Os serviços Over the Top (OTT) via streaming, como Netflix e Spotify, aplicativos de economia compartilhada como Uber e AirBnB, e softwares como o Dropbox e o Google Drive, que cobram mensalidades, geram riquezas para seus desenvolvedores. Como qualquer empresa ou cidadão que tem algum tipo de rendimento, eles também precisam pagar tributos. “Mas para isso a atividade tem que estar prevista constitucionalmente, ninguém pode ser obrigado a pagar tributo se isso não acontece”, como esclarece a professora. Portanto, o esforço que estados, municípios e a União têm feito é de tributar quem gera riqueza com as atividades tecnológicas.

Anuario

Anuario Direito