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Por um novo pacto de suporte à ciência

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Por Maurício Antônio Lopes

A ciência vive tempos de incerteza. Em várias partes do mundo, observa-se o enfraquecimento do apoio público à pesquisa, a perda de vigor de instituições científicas e a ascensão de discursos que deslegitimam o conhecimento baseado em evidências. Crises econômicas, tensões geopolíticas e o avanço de movimentos anticiência expõem fragilidades estruturais e impõem a urgente necessidade de reinvenção.

Mais do que reagir à escassez de recursos, é preciso reimaginar o papel da ciência como alavanca de soberania, inovação transformadora, justiça social e desenvolvimento sustentável. No Brasil, apesar da existência de instituições consolidadas e de um capital humano qualificado, a ciência ainda opera em um sistema vulnerável à instabilidade orçamentária, à descontinuidade política e à ausência de estratégias de longo prazo.

Por isso, a reinvenção do financiamento científico deve ir além de soluções técnicas ou orçamentárias. Trata-se de uma questão estratégica, que exige um novo pacto nacional pelo conhecimento, capaz de garantir estabilidade, autonomia e impacto. Mas essa transformação exige também a renovação das próprias instituições científicas, que precisam se libertar de modelos mentais e estruturas organizacionais anacrônicas.

O mundo de hoje requer organizações mais abertas, colaborativas e orientadas por missões públicas claras, com forte interface com a sociedade e capacidade de operar em redes interdisciplinares. A ciência do século XXI deve assumir com mais vigor sua vocação pública, adotando abordagens sistêmicas e multifuncionais diante de desafios complexos como clima, energia, biodiversidade, alimentação e saúde.

Quando as instituições demonstram inovação, responsabilidade social e aderência a agendas relevantes, tornam-se naturalmente mais aptas a atrair aportes diversificados. Fundos patrimoniais, filantropia estratégica, parcerias com o setor produtivo e modelos híbridos de financiamento ganham força quando encontram estruturas confiáveis, ágeis e capazes de prestar contas e comunicar valor.

Esse novo arranjo exige um reposicionamento: não basta esperar por mais recursos — é preciso mostrar para que servem, como serão utilizados e quais transformações se espera alcançar. Organizações que se ajustarem a esse tempo de maior exigência e interdependência estarão melhor posicionadas para sustentar agendas de futuro, com crescente autonomia financeira e relevância pública.

Um fator ainda pouco mobilizado no Brasil, mas com enorme potencial, é o envolvimento de grandes patrimônios privados com o fomento à ciência. Nos Estados Unidos, a filantropia científica está enraizada na cultura institucional. Famílias e fundações financiam centros de excelência, bolsas e infraestrutura de pesquisa com visão estratégica e de longo prazo.

No Brasil, esse modelo ainda é incipiente — mas não ausente. Um exemplo notável é o do cineasta João Moreira Salles, que criou o Instituto Serrapilheira com uma uma doação inicial de R$ 350 milhões (cerca de 100 milhões de dólares à época). O Instituto apoia jovens talentos e projetos ousados com independência, visão e foco em excelência científica. Esse tipo de engajamento pode inspirar outros grupos econômicos e indivíduos com perfil modernizador e consciência pública.

A agricultura brasileira oferece um exemplo eloquente: a pesquisa pública foi decisiva para transformar a agricultura tropical, dando origem a um agronegócio competitivo e globalizado. Hoje, o setor reúne algumas das maiores corporações do país, com enorme poder econômico. No entanto, o retorno estratégico à ciência que o originou ainda é tímido. Se essas corporações reconhecerem que sua própria sustentabilidade depende de ecossistemas de pesquisa vigorosos, poderão tornar-se aliadas centrais na construção de mecanismos de financiamento mais sólidos e perenes.

O Brasil precisa de uma nova narrativa para a ciência — uma narrativa que reconheça seu valor estratégico, seu papel na construção de uma sociedade mais justa e seu potencial transformador. E precisa também de instituições capazes de dialogar com esse novo tempo: menos burocráticas, mais abertas ao risco, guiadas por missões públicas e comprometidas com impacto real.

Construir esse novo pacto exige a articulação de instrumentos financeiros inovadores, instituições renovadas e uma sociedade mais consciente de que investir em conhecimento é investir em seu próprio futuro. O Estado continuará sendo ator central, mas deve ser complementado por uma rede mais ampla de parceiros: setor privado, filantropia, academia, sociedade civil e juventude.

Reinventar o financiamento da ciência é, em última instância, reinventar o próprio projeto de país. Um Brasil democrático, soberano e sustentável não pode abrir mão da inteligência coletiva que sua ciência representa. O futuro depende de instituições capazes de enfrentar desafios complexos com visão e agilidade - e uma sociedade disposta a apostar no conhecimento como motor de transformação e legado para as próximas gerações.

Maurício Antônio Lopes é Pesquisador da Embrapa Agroenergia

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