Debates
A falácia da excelência do saneamento em Ponta Grossa
Da Redação | 10 de maio de 2022 - 01:38
Por Mário Sérgio de Melo
Ponta Grossa tem sido alardeada, pela Sanepar e pela mídia,
como uma das cidades melhor saneadas do país. Ultimamente os jornais da cidade
não se cansam de repetir a notícia. Mas um breve exame revela o quanto essa
afirmação falta com a verdade.
Em 2015, a Câmara Técnica do Comitê de Bacia do Tibagi, da
qual faz parte a Sanepar, propôs a reclassificação de vários rios com base nos
critérios de qualidade das águas do Conselho Nacional do Meio ambiente. As
reclassificações propostas foram todas no sentido de reconhecer que os rios
estavam mais poluídos que na classificação anterior. Entre os rios rebaixados
estavam o Pitangui, os arroios Gertrudes e Olarias, todos rios urbanos de Ponta
Grossa, para os quais era proposta a classe que qualifica os rios mais
poluídos. A proposta de reclassificação de 2015 era um reconhecimento que o
controle da poluição dos rios urbanos de Ponta Grossa estava desgovernado.
Em 2017, durante os trabalhos de implantação do Lago de
Olarias, parque urbano da cidade, análises da água realizadas pela UEPG
mostraram poluição elevada. Os dados foram considerados sigilosos, e não foram divulgados.
Mas não é necessário realizar análises; basta visitar hoje as cabeceiras dos
arroios urbanos que divergem dos espigões centrais da cidade, para constatar
que todos estão muito poluídos, são esgotos a céu aberto.
Então, como é possível que a Sanepar alardeie que Ponta
Grossa é uma das cidades melhor saneadas do país? As outras estão afogadas em esgoto?
A explicação é outra. É possível que Ponta Grossa seja sim uma das cidades com
maior cobertura das redes de água potável e esgoto. Mas só isso não garante que
o saneamento esteja funcionando. E quem sofre são os rios, que recebem uma
carga de esgotos não contabilizada.
Ponta Grossa é uma cidade muito antiga, principalmente nas
edificações ao longo dos espigões centrais. Antigamente, com a população muito
menor, os esgotos eram ligados diretamente à rede pluvial, que se destina a
captar a água das chuvas, que vai para os rios. E não à rede própria para os
efluentes, que vai para as estações de tratamento de esgotos. Mesmo que a rede
de esgoto passe na porta da edificação antiga, a descarga continua sendo feita
na rede pluvial. Assim, quem acaba recebendo os esgotos das instalações antigas
e inadequadas são os arroios urbanos, e não as estações de tratamento. Por esse
motivo todos os rios urbanos da cidade continuam poluídos, apesar do
crescimento da rede de esgotos.
A remediação do problema demandaria um detalhado e paciente
trabalho de teste, edificação por edificação, do correto despejo dos esgotos
produzidos na rede apropriada, e não na rede pluvial que leva aos arroios. Um
trabalho demorado, custoso, impopular, que por certo não traria votos nem prestígio.
Mas deveria, ao final, alcançar a limpeza dos rios de Ponta Grossa e de toda a
bacia do Rio Tibagi, devolvendo à população águas que representariam a
vitalidade da natureza saudável.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG