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Poluição sonora: problema que se intensifica no final do ano
Da Redação | 28 de dezembro de 2021 - 01:19
Por Giovani Ferri
As festividades de final de ano são importantes momentos de
celebração que reúnem familiares e amigos para comemorar o Natal e o Réveillon.
Contudo, não raras vezes, tais comemorações resultam em excessos que acabam
configurando poluição sonora. O problema se acentua na virada do Ano-Novo,
período em que as festividades são acompanhadas de grandes aglomerações,
eventos musicais e queimas de fogos de artifício com estampido, estes últimos
proibidos em vários municípios brasileiros para proteger os animais e a saúde
dos enfermos, idosos, bebês e portadores de transtorno do espectro autista.
Considerado um “inimigo poluente invisível”, o excesso de
ruído é capaz de produzir efeitos adversos sobre a saúde e o bem-estar da
população, reduzindo a qualidade de vida do ser humano. Portanto, a poluição
sonora também viola o artigo 225 da CF-1988, o qual garante o direito
ao meio ambiente equilibrado. Outrossim, além de provocar danos à saúde humana
e à qualidade de vida, a poluição sonora também é capaz de acirrar conflitos de
vizinhança, podendo provocar outras espécies de perturbação social.
É preciso ressaltar que há uma diferença conceitual entre
som e ruído. Enquanto o primeiro é a emissão sonora agradável e prazerosa –
como o canto dos pássaros, o som de uma cachoeira, uma música em volume
agradável –, o ruído, palavra originária do latim rugitus, em referência
ao rugido dos animais ferozes, é caracterizado como excesso sonoro, com efeito
desagradável e perturbador aos ouvidos humanos e dos animais. O excesso de
ruído pode provocar diversos efeitos negativos ao ser humano, tais como
insônia, estresse, depressão, perda de audição, dores de cabeça, perda de
concentração, aumento da pressão arterial, queda no rendimento do trabalho e
redução de memória.
A Organização Mundial da Saúde aponta a poluição sonora como
a terceira maior causa de poluição do planeta, alavancada nas últimas décadas
pelo processo de urbanização, sendo superada apenas pela poluição do ar e da
água. A necessidade de controle da poluição sonora remonta a períodos
históricos, pois já na Roma antiga o trânsito de carruagens na cidade era
controlado no período noturno para não afetar o sono da população. No cenário
contemporâneo, as fontes de poluição sonora são as mais variadas, podendo ter
origem em atividades industriais e comerciais, aeroportos, automóveis, casas de
shows, manifestações públicas, eventos esportivos, templos religiosos,
festividades com aglomeração de pessoas etc. Para as atividades nocivas ao meio
ambiente, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) inclusive prevê o uso do
Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), instrumento de caráter preventivo que o
poder público pode exigir antes da emissão de alvará de funcionamento de
atividades poluidoras.
A Agenda 21 da ONU elencou o tema da poluição sonora como um
dos grandes desafios das cidades, definindo que o excesso de ruídos deve ser
eficazmente combatido pelo poder público para a proteção da saúde humana, fator
que exige a fixação de parâmetros máximos para a exposição sonora. Essa medida
preventiva consta na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), que
arrola como um de seus instrumentos “o estabelecimento de padrões de qualidade
ambiental” (artigo 9º, I).
No âmbito federal, a Resolução 001/1990 do Conselho Nacional
do Meio Ambiente define os critérios gerais para a emissão sonora, incluindo
atividades industriais, comerciais, sociais e recreativas. A Resolução indica
que os ruídos prejudiciais à saúde humana e ao sossego público são aqueles
regulados pelas normas NBR-10.151 e 10.152, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas, as quais definem parâmetros, em decibéis (dB), para a emissão sonora
em áreas residenciais, comerciais e industriais, incluindo escolas, hospitais,
bibliotecas, restaurantes, igrejas, atividades culturais e de lazer e turismo.
Conforme a NBR-10.151, que regula a emissão sonora em áreas
habitadas, o ruído pode ser caracterizado como poluidor quando ultrapassa 55 dB
no período diurno e 50 dB no período noturno em zonas mistas predominantemente
residenciais. Já em zonas estritamente residenciais, escolas e hospitais, tais
limites são reduzidos para 50 e 45 decibéis, respectivamente. Contudo, a
NBR-10.151, que teve seus critérios atualizados em 2020, fixa inúmeros
procedimentos técnicos para a caracterização da poluição sonora, situação que
muitas vezes dificulta sua comprovação, pois a maioria dos órgãos
fiscalizadores não dispõe de equipamentos adequados e calibrados para aferir a
poluição sonora.
E quais são as consequências jurídicas da poluição sonora?
Além de medidas administrativas (aplicação de multas) e civis (ações judiciais
para restringir ou proibir o funcionamento da atividade poluente), a poluição
sonora também pode configurar infração penal. Nos casos de menor gravidade e
nas situações de emissão de ruídos esporádicos, a poluição sonora é enquadrada
como contravenção penal de perturbação do sossego alheio (artigo 42 do
Decreto-Lei 3.688/1941), sendo punida com prisão simples e multa a conduta de
perturbar o trabalho ou o sossego de alguém com gritaria, algazarra, profissão
incômoda ou ruidosa, abuso de instrumentos sonoros e barulho com animais de
estimação. Já o crime de poluição sonora é reservado para condutas mais graves,
sendo definido pelo artigo 54 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes
Ambientais) como a poluição de qualquer natureza que possa causar danos à saúde
humana ou mortandade de animais, punindo-se com reclusão de um a quatro anos e
multa. Contudo, por envolver uma atividade nociva de caráter permanente, a
configuração desse crime exige laudo técnico que comprove a poluição sonora e o
risco que tal atividade possa provocar à saúde humana ou aos animais.
Como resolver uma situação de poluição sonora? Caso ela
atinja determinados moradores ou a coletividade, afetando a qualidade de vida,
a saúde, o descanso ou o trabalho, os prejudicados devem registrar uma ocorrência
na Delegacia de Polícia e uma reclamação na Ouvidoria do Município para
comprovar os fatos. Se a situação é momentânea, a exemplo de festas com ruídos
excessivos na vizinhança, em condomínios ou edifícios, o interessado deve
acionar a Polícia Militar para evitar conflitos pessoais, pois o órgão policial
pode adotar medidas imediatas para coibir a prática ou impedir sua
continuidade. Caso a situação seja mais grave, com poluição sonora constante, a
exemplo de casas de eventos, bares e atividades industriais e comerciais, o
interessado deve procurar a Promotoria de Justiça de sua comarca para que seja
registrado o caso e instaurado um procedimento investigatório.
Enfim, tanto as festividades de final de ano quanto as
atividades de rotina exigem algumas cautelas, sendo essencial que as
comemorações e as atividades comerciais sejam exercidas de forma equilibrada
para evitar o surgimento de conflitos e, sobretudo, o descumprimento da
legislação que regula a poluição sonora.
* Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do
Paraná. Coordenador do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente,
Habitação e Urbanismo (Gaema)da Região Oeste do Paraná. Mestre em Direito
Público pela Unisinos (RS), especialista em Direito Ambiental pela UFPR, membro
da Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e da
Rede Latino-Americana de Ministério Público Ambiental (Redempa).