Debates
Academia de Letras – outra fogueira de vaidades?
Da Redação | 11 de dezembro de 2021 - 01:11
Por Mário Sérgio de Melo
Agremiações de celebridades amiúde funcionam como vitrines de egos e redutos de convicções conservadoras e guerras de vaidades, e não para cultivar interesses coletivos e transformadores. É assim com universidades, sindicatos, conselhos profissionais e científicos, comandos militares, diretorias públicas e privadas e até os parlamentos, supostos de “representantes do povo”.
Nas academias de letras não é diferente. O exemplo da
Academia Brasileira de Letras, e decerto também das congêneres europeias que a
inspiraram, parece confirmar isso. No seu início, a ABL condenou o hoje
consagrado Lima Barreto a um “silêncio implacável”, interditando-o em razão de
seu senso crítico e combatividade. Aos alterosos a verdade incomodava. Viviam a
certeza de que a mentira desgasta relacionamentos, a verdade não; a verdade
devasta! E assim perpetuavam a civilização do recato e da hipocrisia.
Outros episódios marcam a história da ABL: as eleições de Getúlio
Vargas e José Sarney, o repúdio vindo de Sérgio Buarque de Holanda, Carlos
Drummond de Andrade, Chico Buarque ─ Prêmio Camões em 2019 ─ e o longo
perrengue com Mario Quintana, que após três candidaturas recusadas, recusou ele
mesmo convite feito pela ABL. Alega-se que o conhecido Poeminho do contra do
notável poeta gaúcho seja endereçado aos “imortais” da ABL: todos estes que aí
estão/ atravancando meu caminho/ eles passarão/ eu passarinho!
As recentes eleições de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil para
a ABL, e os votos em Daniel Munduruku, revelam que ela está se abrindo para expoentes
da arte, da cultura e da militância, indo além da bajulação de ocasião
demonstrada na “imortalização” de Getúlio, Sarney e outros, como o general Lyra
Tavares, Roberto Marinho e Marco Maciel. Oxalá a ABL esteja enfim incorporando
o princípio expresso em frase do sociólogo ex-ministro da cultura João Luiz
Silva “Juca” Ferreira: “Cultura não é uma questão de direita ou esquerda, mas
de civilização ou barbárie”.
O atual acirramento mundial da intolerância parece ter
alertado a ABL para a imprescindibilidade da diversidade: aceitar o diferente é
vital para a sobrevivência da humanidade e do que há de humano em cada um de
nós. O impulso de endogenia, atavismo do instinto de sobrevivência, deve ser compensado
pela capacidade de reconhecer e assimilar a riqueza das virtudes do outro. A
endogenia conduz ao nanismo e às atrofias. A inclusão faz prosperar; a xenofobia
faz fenecer. A humanidade já superou o tempo de seus ancestrais vertebrados, os
quase répteis pelicossáurios, quando o instinto de sobrevivência e a
hostilidade com o diferente era essencial. Hoje, no mundo globalizado e superpovoado,
essencial é a empatia, a solidariedade.
As academias de letras são agremiações imbuídas do desígnio
cultural e artístico. Missão hoje revestida da amorosa obrigação de enternecer,
incluir e expandir, e não elitizar; de conciliar e edificar, e não irar e
dividir. O primeiro passo é abrir-se para o diferente; com ele vêm as
transformações. Elas escrevem o porvir.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG