Debates
Reeleição: vamos nos proteger das nossas escolhas?
Da Redação | 10 de dezembro de 2021 - 02:28
Por Francis Ricken
Muito se fala sobre o instituto da reeleição e sua
conturbada aprovação pela Emenda Constitucional n.º 16, em 1997, às vésperas do
lançamento da campanha de recondução de Fernando Henrique Cardoso para a
Presidência da República. Até aquele momento era proibida a reeleição para
mandatos consecutivos de cargos no Poder Executivo, o que gerava um impedimento
na manutenção de políticos que desenvolviam um trabalho popularmente aceito nos
cargos de Presidente, Governador e Prefeito.
Na época, a reeleição surgiu como uma conquista para bons
mandatos, muito motivada por regras semelhantes adotadas em boa parte das
democracias avançadas no mundo, em que a reeleição era uma realidade constante.
Desde então, o brasileiro se acostumou a manter uma postura “comedida” pelas
mudanças políticas, e a reeleição se tornou algo muito corriqueiro. Basta,
tomar como exemplo, as campanhas presidenciais desde 1998, que reconduziram
todos os candidatos que tentaram um mandato consecutivo. E tal postura se repete
nos Estados e Municípios, onde o candidato que busca a recondução tem uma
chance muito grande de vencer o pleito eleitoral. Aliás, costumamos demonstrar
surpresa quando um candidato que concorre à reeleição perde o pleito ou não vai
para o segundo turno de uma campanha eleitoral.
Apesar de ser um “sucesso de público” em matéria de
“crítica”, a reeleição sofre de forma constante com os embates relacionados à
sua ineficácia, às situações de utilização da máquina pública nas campanhas e
possíveis situações viciosas relacionadas à manutenção de políticos no poder.
Mas, a pergunta que eu faço é: Será que a reeleição é o problema?
O político que considera o instituto da reeleição uma
mazela, tem a escolha de não fazer uso da mesma, e finalizar seu mandato sem tentar
a reeleição. Esse político não precisa da proibição da legislação eleitoral
para “não cair em tentação”; ele pode simplesmente considerar a reeleição
incompatível com seus posicionamentos. O mesmo vale para a população que,
diante de um mandato popularmente aceito, pode tomar a decisão de não votar em
um candidato que concorre pela segunda vez consecutiva, aliás, já tivemos esses
casos no Brasil.
O mais curioso é que em boa parte das democracias maduras
pelo mundo a reeleição não é considerada um problema estrutural, mas
simplesmente uma escolha do eleitor, que tem maturidade suficiente para tomar
suas decisões e exercer seus direitos políticos. Ou você nunca ouviu falar da
chanceler alemã Angela Merkel ou dos primeiros-ministros britânicos, que permaneceram
nos seus cargos, reconduzidos pela população, por mais de uma década? Achar que
os europeus têm maturidade política e são livres para reconduzir seus políticos
e nós precisamos nos proteger dos nossos pecados, é um tanto quanto
contraditório.
Se algo deve ser discutido relacionado à reeleição, talvez
seja a possibilidade de afastamento do candidato do cargo que exerce pelo menos
durante o período de campanha, para se evitar a utilização da máquina pública
durante a disputa eleitoral. No mais, não podemos considerar que a
reeleição seja um problema grave. A nossa história pós-Constituição de 1988
demonstra que políticos que fazem mandatos contestados ou não satisfatórios
tendem a não ter êxito eleitoral em tentativas de reeleição, mesmo com todas as
benesses relacionadas aos exercícios do mandato em curso.
Considero que a alternância no poder é fundamental, assim
como, mudanças de rumos quando o caminho não está satisfatório, mas a proibição
da reeleição, que foi aprovada por maioria qualificada no Congresso Nacional,
não é a saída para tal situação. Proibir uma escolha política por considerar
tal conduta reprovável ou não favorável aos meus cálculos eleitorais é como
pedir a absolvição para os pecados que os outros cometem.
*Francis Ricken, advogado e mestre em Ciência Política, é
professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo
(UP).