Debates
Desatenção na sala de aula: uma solução para este problema constante
Da Redação | 24 de novembro de 2021 - 01:33
Por Luciane Pires
Ao longo de três décadas de trabalho com desenvolvimento
humano, tanto na área da psicologia, quanto na pedagogia uma questão sempre foi
muito presente tanto no consultório clínico quanto no espaço escolar: a falta
de atenção. Os problemas de desatenção desviam o foco, reduzindo a capacidade
de aprender e de estar no agora.
A desatenção pode ser observada num grau menor, como uma
mera distração, mas pode chegar a um quadro de maiores consequências, como um
distúrbio que interfere na qualidade de vida. Diante disso, pergunto: para onde
olha a desatenção? Pois, se o foco não está naquilo que devemos nos concentrar,
há algo que está consumindo a capacidade atentiva das crianças.
Nas escolas, são frequentes os relatos dos professores sobre
os olhares dos estudantes que, por vezes, “se perdem”, diante das explicações.
Os olhares que parecem “atravessar” o professor, direcionados para algo que não
está ali em evidência, intriga educadores atuando em variados níveis de ensino.
Sem entrar no mérito da motivação do estudante ou do aspecto
didático de quem ensina, apresento uma reflexão sobre o aspecto relacional
sistêmico desta criança. Inconscientemente, ela talvez esteja olhando para
questões pendentes do seu “eu interior”. Com isso, não há problema de
desatenção, mas sim uma mudança de foco para onde a atenção dela olha.
Parafraseando Alicia Fernadez, o ato de aprender exige uma
abertura para novas ideias. Entendo que isso revela a necessidade de
disponibilidade interna para estar atento para o novo que vem. Quando o aluno
não está disponível para o novo, isso significa que ele ainda está olhando para
algo do velho que ainda não foi entendido e esta pendência precisa de resolução.
Existem certos movimentos que acontecem na dinâmica familiar
regidos por ordens que precisam ser respeitadas para o bom funcionamento do
todo. Se alguma “peça” falta ou está fora de lugar, o sistema em desajuste,
busca a volta ao equilíbrio. Do ponto de vista das relações sistêmicas, que as
constelações familiares trazem no seu escopo filosófico, a desatenção revela
algo que está no nível não consciente e precisa ser visto e incluído.
Para explicar melhor essa situação, ilustro com um exemplo
que aconteceu com minha família e virou o tema do meu livro “Tenho Um Lugar
Para Você”. Ainda como aluna do curso em constelação familiar, levei o
tema da desatenção vivida por meu filho na escola. O campo da constelação
mostrou o movimento inconsciente dele de olhar para o irmão que morreu cedo.
Desde a revelação da história, já que ele não sabia da
existência desse irmão, houve uma mudança completa de comportamento. Ele ficou
mais falante, atento e alegre. Uma situação inesperada e inusitada para meu
filho que nasceu muitos anos depois da morte desse irmão.
O fato é que isso estava interferindo em sua qualidade de
atenção na escola, a ponto de retraimento e negação para participar das
atividades em grupo. Olhar desta forma para os problemas de atenção não exclui
a possibilidade de uma dificuldade neuroquímica que está presente em tantas
crianças, jovens e adultos. É antes, um convite a considerar que existem várias
possibilidades diante de um problema.
A abertura para uma visão sistêmica da vida, nos auxilia a
ter mais leveza, alegria e consciência quando entendemos nosso lugar no mundo e
a necessidade de uma postura, ou seja, uma forma de estar e viver que considera
o todo e meu papel para o desenvolvimento harmônico do sistema. A nossa atenção
pode estar voltada para questões que envolvem nosso primeiro círculo social que
é a família.
Assim, considerar a história dos estudantes e ter uma
postura que releva as questões de ordem sistêmica no processo de aprendizagem
pode contribuir sobremaneira para ampliarmos o nosso olhar para as relações das
pessoas na vida e nos seus processos de aprender e se desenvolver na vida. Este
é, sem dúvidas, um caminho humanizado e integral para lidar com o desafio da
desatenção na sala de aula.
*Luciane Pires é psicóloga clínica há 30 anos e tem como
segunda formação a pedagogia. Autora do livro “Tenho Um Lugar Para Você”,
promove possibilidades de ampliação de consciência e maior qualidade de vida em
saúde mental a partir do que escreve.