Debates
A luneta mágica e os casos de intolerância no Brasil: racismo, machismo, etarismo e gordofobia
Da Redação | 27 de outubro de 2021 - 02:59
Por Tânia Lins
A leitura dos clássicos nos oferece a certeza de que os
grandes autores eram, antes de tudo, severos observadores da natureza humana.
Certo dia, diante de fatos que expõem a mediocridade do pensamento humano, que
ferem e dilaceram a alma de indivíduos que diferem do padrão estabelecido, me
lembrei de um dos meus livros prediletos: A luneta mágica, de Joaquim
Manuel de Macedo. O romance, sob domínio público, foi escrito em 1869 e traz,
com uma veia cômica, mas nem por isso arbitrária, a cegueira física e moral da
sociedade no final do segundo império representada pelo protagonista Simplício.
E o que isso tem a ver com a intolerância? Tudo! Basta analisarmos os casos com
os quais nos deparamos diariamente.
Tal como o personagem, fazemos uso, inadvertidamente, de
lentes que distorcem nossa já limitada visão e que potencializam nossas
atitudes vergonhosas, enfraquecendo qualquer rastro de empatia. E, amparados
por essas “muletas”, mostramos toda a degradação de que somos capazes. Dia após
dia, nos deparamos com fatos que ilustram as mazelas que perduram no mundo. Em
reportagem ao Fantástico, a consultora de Direito Maria Nazaré Paulino contou
que foi vítima de racismo por parte de um motorista de aplicativo, que se negou
a atendê-la quando viu que a passageira era negra. “A chicotada foi no lombo da
minha alma. Nas minhas costas. Eu continuo tomando chicotada. Eu continuo indo.
Eu continuo sendo amarrada no tronco”, desabafa a mulher, ainda bastante
abalada com o ocorrido.
E esse é só um dos exemplos de violência física e
psicológica. O programa ainda mostrou que uma rede de farmácias do Rio Grande
do Sul orientava os recrutadores a não contratarem homossexuais, pessoas gordas
e tatuadas. Ou seja, tudo o que foge do modelo míope e opressor – construído há
décadas – deve ser posto à margem, como se fazia em Esparta, na Grécia Antiga,
condenando à morte pessoas com necessidades especiais, pois não poderiam se
tornar bravos guerreiros.
Voltando à obra de Joaquim Manuel de Macedo, Simplício, ao
aceitar as lentes do mágico armênio sem ponderação e senso crítico, segue
ratificando comportamentos presentes numa sociedade adoecida, como tantos de
nós fazemos. Em seus momentos de dor e desespero, ele muitas vezes concluiu que
era melhor ser cego do que ver demais. Quem nunca o fez?
Em contraposição ao personagem, não podemos, contudo,
esperar que algum mago nos presenteie com as lentes do bom senso. A mudança não
se dará num passe de mágica, e desconstruir velhos e equivocados conceitos
requer coragem. Sim, o bem pode ser aprendido por meio da arte, da literatura,
do cinema, do convívio com o próximo. Quando entendermos que a sociedade é
construída por pessoas como eu, como você, que não banalizam o racismo, a
homofobia, o machismo, o etarismo, e tantos outros males, os ventos da igualdade,
do respeito e da solidariedade soprarão em todos os continentes, trazendo as
transformações necessárias ao nosso planeta e ao nosso universo. Fiat Lux!
Tânia Lins é formada em Administração de Empresas e
pós-graduada em Língua Portuguesa e Comunicação Empresarial e Institucional.
Atua há mais de dez anos na área editorial, com experiência profissional e
acadêmica voltada à edição, preparação e revisão de obras, gerenciamento de
produção editorial, leitura crítica e coaching literária. Atualmente
é coordenadora editorial na Editora Vida & Consciência.