Debates
Previdência: fraudes, desvios e a necessidade de novo modelo
Da Redação | 12 de junho de 2021 - 03:49
Por Wagner Balera
Em 1976, o jornalista Aor Ribeiro publicou o livro “Terror e mortes
no reino das fraudes”, no qual demonstra com farta documentação
as formas fraudulentas de ataque ao sistema previdenciário
brasileiro. Sobretudo fraudes na concessão de benefícios, isto
é, há alguém que não tem direito e, mesmo assim, obtém
o benefício mediante os mais distintos ardis.
Aliás, tais armadilhas não são privilégio da previdência social,
pois agora, durante o pagamento
do auxílio emergencial, inúmeros servidores públicos, civis
e militares receberam o auxílio sem terem esse direito. Todos deveriam estar
respondendo processo administrativo para serem colocados no olho da rua. É o
mínimo que se poderia esperar. O dinheiro destinado aos pobres foi
parar no bolso de reles criminosos.
A previdência social padece de gravíssimos problemas gerenciais e
são muitos os desvios por fraude. Auditorias do TCU já registraram
esse fato dezenas de vezes e nada se fez para a modificação desse estado de
coisas.
E não se trata de acusar este ou aquele governo. Parece algo intrínseco, como
se fosse parte de mecanismo defeituoso de constituição da estrutura...
Ora, como sempre será necessário que haja alguma modalidade de previdência
social e como a capacidade de financiamento do sistema caminha para o
esgotamento, urge que sejam debatidas propostas sérias de arrumação da casa.
O problema de fundo, porém, é que o estado do bem-estar brasileiro,
nascido em 1988, não é mais viável.
François Ewald, há trinta e cinco anos, no livro L´Etat Providence
(Paris, Grasset, 1986), já demonstrara esse fato. Não era uma profecia, e
sim a constatação pura e simples de certa situação incontornável.
Alguns poderão ficar preocupados; contudo, vale repetir: a
previdência não vai acabar. Ela será reduzida, mantidos os direitos adquiridos.
Sempre haverá dinheiro para pagar.
Às vezes editam propaganda enganosa, falsa e mentirosa, o que hoje se denomina
genericamente fake news, apregoando que a previdência social está quebrada. Não
é verdade. É bom lembrar que a Lei 8.213, de 1991, que é o plano de benefícios
da previdência social explicita bem: “se faltar dinheiro no caixa da
previdência social, o governo federal deve suprir os recursos necessários e
suficientes ao custeio das prestações”. Portanto, nenhum dos aposentados e
pensionistas deve se afligir, pois receberão até o último
centavo do valor dos respectivos benefícios.
Esta reflexão só quer servir como alerta. Há fraudes! Cumpre dar-lhes
cabo pelos meios de persecução penal bastante conhecidos e eficazes. Há
defeitos na equação financeira do sistema que, com a atual modelagem, não é
mais viável. Que se engendrem os mecanismos aptos a corrigi-lo e provê-lo dos
recursos necessários.
Para aqueles que perguntam por que não acabar com o atual modelo, a
resposta é bem singela: não há, agora, condições políticas para a
privatização da previdência social.
Vale destacar que a privatização tentada no Chile resultou em retumbante
fracasso. Logo após o início do processo, implantado sem nenhuma discussão com
a sociedade, das seis entidades privadas criadas para gerir o programa uma
quebrou e foi necessário que o Estado voltasse a tomar conta do assunto a fim
de evitar uma tragédia.
É estranho que com todo o aparato de informática e com toda a tecnologia não se
tenha até agora inibido as fraudes. É igualmente estranho que os longos e
enfadonhos debates sobre a reforma tributária e as inumeráveis reformas
previdenciárias ainda não tenham dado resposta ao problema elementar do
financiamento previdenciário.
Mas há também algo que virou lugar comum. E, nesse caso, não temos o
que estranhar, mas sim que nos envergonhar. É a dos desvios, para
outras finalidades, com autorização legislativa, dos recursos que deveriam ser
destinados à previdência social. O mais triste e lamentável exemplo desses
desvios atendeu, ultimamente, pelo nome de DRU – desvinculação das receitas d a
União – nome elegante para significar o desvio de recursos das áreas da saúde,
da previdência e da assistência social.
Eis aí algo que não pode mais ser tolerado.
Wagner Balera é professor Titular de Direitos Humanos na
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC-SP.
É Livre-Docente em Direitos Humanos, Doutor em Direito das Relações
Sociais. Autor de mais de 20 livros da área de Direitos Humanos.
Professor Titular de Direito Previdenciário da PUC-SP é sócio do
escritório Balera, Berbel & Mitne Advogados.