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O injusto imposto de renda maior sobre quem ganha menos
Da Redação | 29 de maio de 2021 - 01:41
Quanto maior a faixa de renda, menor é a alíquota efetiva do
IRPF, contrariando princípios básicos de progressividade e da capacidade
contributiva. Alternativas para fazer justiça fiscal estão no Congresso
Nacional, mas ainda não tramitam. Se aprovadas, já valeriam para o próximo ano.
Próximo do prazo final da entrega da Declaração de Imposto
de Renda (DIRPF) do exercício de 2021, em que milhares de contribuintes
procuram acertar suas contas com a Receita Federal, alguns incômodos surgem no
ar. Não apenas os que se referem a juntar comprovantes de renda, despesas,
registros de imóveis, mas também os que se relacionam a sensação de injustiça
fiscal.
Pagar impostos corretamente, sabendo que há tantos que não
pagam o que deveriam, causa desconforto. Ainda mais quando se sabe que este não
pagamento se deve, em grande medida, a mecanismos legais que beneficiam
detentores de expressivas riquezas e fortunas.
Mais de R$ 650
bilhões é o valor que as classes mais ricas deixaram de pagar de imposto entre
2007 e 2018, por conta da regressividade das alíquotas do imposto de renda das
pessoas físicas (IRPF) sobre os ganhos das altas rendas. Neste período, os
contribuintes com rendas acima de 30 salários mínimos passaram a pagar cada vez
menos imposto, ano a ano, ao contrário daqueles com rendas mais baixas, que
pagaram mais a cada ano.
Quanto maior a faixa
de renda, menor é a alíquota efetiva do IRPF, contrariando princípios básicos
de progressividade e da capacidade contributiva. Estudo realizado pelo Instituto
Justiça Fiscal (IJF) “Concentração de Riqueza no Brasil”, comprova esses dados.
O imposto de renda deve(ria) ter caráter progressivo,
incidindo mais fortemente à medida que se eleva a renda e onerando mais,
proporcionalmente, quem pode pagar mais. Não é o que acontece! O imposto de
renda só é progressivo até aproximadamente R$ 40 mil mensais, quando as
alíquotas efetivas começam a cair e o imposto passa a ser regressivo. Essa
distorção precisa ser enfrentada, especialmente pela aceleração do aumento da
desigualdade causada pela pandemia. Mas essa injustiça não começou agora.
Ao final de 1995, foi aprovada a Lei 9.249/95, que isentou
do IRPF os dividendos e lucros distribuídos às pessoas físicas e criou uma
ficção chamada Juros sobre Capital Próprio (JCP). Com essas medidas, somadas à
baixa tributação sobre patrimônio e heranças no Brasil e a ausência da
regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto desde 1988,
aprofundou-se a injustiça tributária mais escandalosa do país: os mais ricos
pagam muito menos impostos que os mais pobres, proporcionalmente.
Durante a aprovação desta lei, uma das justificativas
apresentadas foi a de que haveria integração entre pessoa física e jurídica,
cobrando apenas na pessoa jurídica o imposto de renda e isentando na pessoa
física. Engodo. Tal isenção foi acompanhada da redução da alíquota do imposto
da pessoa jurídica de 25% para 15%! Beneficiou duplamente os detentores de
capital social da empresa, reduzindo significativamente o imposto total.
Na prática, a medida desestimulou o reinvestimento dos
lucros, pois favoreceu a distribuição e a remessa para o exterior destes
lucros, isentando-os legalmente. Favorecimento a quem mais ganha e mais acumula
com chancela oficial!
Além disso, essa isenção dos lucros e dividendos teve outro
efeito prático, conhecido como “pejotização”. Para esta nova configuração,
houve uma “transformação” das pessoas físicas que realizam atividades autônomas
ou liberais e até assalariados, em pessoas jurídicas, erodindo a base
tributável do IRPF. Ou seja, o IRPF acabou se concentrando mais nos rendimentos
do trabalho assalariado, pois estas novas “pessoas transformadas” agora
receberiam lucros e dividendos distribuídos, isentos!
Quanto aos Juros
sobre Capital Próprio (JCP), outra “inovação” brasileira da Lei 9.249/95, a
justificativa era de estabelecer condições de igualdade entre empresas que
utilizam capital próprio e as que utilizam recursos de terceiros. Ora, se uma
empresa dispõe de capital próprio, por que recorrer a de terceiros? Além disso,
o pagamento de juros constitui remuneração de capital de terceiros e o capital
próprio investido é remunerado por lucros e dividendos. Ou seja, justificativa
que não faz sentido!
Esse pagamento dos Juros sobre Capital Próprio, que pode ser
deduzido do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), é um benefício que reduz
o valor deste imposto e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL),
portanto. E quando pago aos sócios e acionistas, está sujeito a uma retenção
exclusiva na fonte de 15%, não se sujeitando à tabela do IRPF, diferente dos
rendimentos do trabalho assalariado. Resultado: quem já ganha muito de um lado,
o imposto na pessoa física também é menor. No fundo, esse pagamento de JCP aos
sócios e acionistas, que aparenta ser uma despesa, representa distribuição de
resultados com tributação inferior ao que seria correto.
Um imposto que deveria observar princípios de generalidade,
universalidade e progressividade, acaba fazendo movimento inverso quando
aplicados esses benefícios. Deveria incluir todas as rendas, oriundas do
trabalho ou do capital, alcançar todas as pessoas físicas que recebam renda
sendo trabalhadores, empresários ou autônomos e incidir mais conforme aumenta a
capacidade contributiva da pessoa. Mas não observa essas condições e ainda
trata de forma desigual contribuintes em situação equivalente, violando o princípio
da isonomia.
O sentimento de
injustiça que aparece fortemente nesta época de entrega de DIRPF é mais que
compreensível. Além de injusto com o indivíduo, esse sistema também não é bom
economicamente para o país. Na situação atual, retira renda de muitos
contribuintes que movimentariam a economia consumindo bens e serviços,
diferentemente dos super-ricos e bilionários que especulam e acumulam.
Existem alternativas tributárias para enfrentar essas
distorções e já foram apresentadas ao Congresso Nacional pelos integrantes da
campanha Tributar os Super-Ricos. Os eixos centrais das oito propostas
entregues ao parlamento em agosto de 2020 são tributar mais as altas rendas e
alterar a estrutura e limites da tabela do IRPF, o que poderia beneficiar aproximadamente
10 milhões de pessoas, tornando-as isentas. Desonera as pessoas de mais baixa
renda e os trabalhadores.
Pela proposta da Campanha, apoiada por mais de 70 entidades,
a tabela do IRPF terá seu número de alíquotas ampliado de quatro para sete,
eliminando a alíquota vigente de 7,5%. Além disso, serão acrescentadas as
alíquotas de 30%, 35%, 40% e 45%, indo além da atual alíquota máxima de 27,5%.
Com essa proposta estima-se uma desoneração tributária de
aproximadamente R$ 15,6 bilhões, sendo R$ 11 bilhões para quem recebe até R$ 10
mil brutos. Até esta faixa de rendimentos, encontravam-se, em 2018, 78% dos
declarantes (23,3 milhões de pessoas, conforme dados da Receita Federal do
Brasil).
Esta mudança, ao ampliar a renda disponível líquida dos
contribuintes que recebem até oito salários-mínimos, aproximadamente, terá um
potencial econômico muito significativo. Para as rendas do trabalho mais
elevadas, somente haverá mudança a partir de faixas de renda mensal superior a
35 salários mínimos.
Seriam mudanças extremamente positivas. Em caso de aprovação
de todas as medidas propostas pela campanha, seria arrecadado cerca de R$ 300
bilhões ao ano, atingindo apenas os 3% mais ricos da população. Se pudermos
alterar a estrutura da tabela e eliminarmos os benefícios indevidos, faremos
maior justiça e progressividade ao IRPF, desonerando pessoas que ganham menos.
Esses projetos estão prontos, mas não tramitam ainda no Congresso. Se fossem
aprovados nesse ano, em 2022 teríamos mais justiça fiscal e menos revolta na
declaração da DIRPF.
Não é uma revolução ou mudança completa de sistema. Mas um
ajuste para gerar benefícios econômicos e sociais rapidamente, inclusive o de
desobrigar milhões de brasileiros a apresentarem a DIRPF, pois são pessoas com
rendas baixas que nem deveriam estar obrigadas a declarar. Só o fazem pela
falta destes ajustes na legislação e omissão na correção da tabela do IRPF, que
empurra mais e mais pessoas a uma prestação de contas injustificada,
considerando seu rendimento tributável.
Muitos países se encaminham para cobrar mais dos mais ricos
e tributar mais a renda do capital em comparação com a renda do trabalho.
Devemos seguir essa tendência, obter recursos tributando os super-ricos.
Reformas como as da previdência, trabalhista, administrativa e tributária (em
curso) e continuidade do teto de gastos não chegam a ser inovações brasileiras.
São políticas de corte neoliberais disseminadas dos países centrais aos
periféricos há mais de 40 anos. Não são uma solução justa e economicamente boa
para o país.
Ou mudamos o rumo ou continuaremos a ostentar o título de um
dos países mais desiguais do mundo que acrescenta novos bilionários à lista da
Forbes enquanto voltamos ao Mapa da Fome e da miséria. Está na hora de
rompermos esse padrão. As soluções existem. Mas precisam ser realizadas.
Maria Regina Paiva Duarte ´ePresidenta do Instituto Justiça Fiscal, integrante da Coordenação da Campanha Tributar os Super-Ricos