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Decretar é o caminho jurídico adequado Excelentíssimo Presidente?
Da Redação | 11 de maio de 2021 - 02:45
Por Dr Marcelo Válio
O Excelentíssimo Sr. Dr. Presidente Jair Bolsonaro
"ameaçou" no dia 05/05/2021, editar um decreto contra medidas de
restrição impostas por Governadores e Prefeitos para o controle do novo
coronavírus.
Discursou no sentido de que o decreto "não será contestado por nenhum
tribunal", "espera não baixar o decreto", mas caso tome a
decisão "ele será cumprido com todas as forças que todos meus ministros
têm" no sentido de garantir o "direito de ir e vir".
Nesse sentido, novamente entendo que o chefe da nação ao discursar desta forma
se baseia em sua postura contrária às medidas de restrição contra o novo
coronavírus.
Infelizmente, como já apontei em minhas manifestações pretéritas, públicas e
apartidárias, o Presidente, que era uma esperança para alguns e uma oposição
para outros, está conseguindo insatisfazer a todos.
Decretar da forma que pretende, só causará instabilidade nacional e mais
confusão na interpretação da sociedade frente a sua fala.
Juridicamente falando, o decreto pretendido não terá nenhum efeito, pois como
já decidiu pelo STF, legais as determinações dos Estados e Municípios quanto ao
combate da pandemia notória.
Interessante também apontar que no mesmo discurso, o chefe da nação sustentou
sem qualquer fundamento e base jurídica que: “o que o povo quer de nós é que
sigamos o norte dado para esse povo, e todo o Artigo 5º. Eles querem trabalhar.
Isso é crime? Querem o direito de ir e vir, ir à praia, ver um amigo. Querem o
direito de ver um pastor, ir à igreja, ver seu padre. Que poder é esse dado a
governadores e prefeitos?” Infelizmente o Digníssimo Presidente ou está mal
assessorado ou seus assessores não estudaram o puro Direito Constitucional.
O artigo 5o, que trata de direitos e garantias fundamentais, não é absoluto.
O direito de ir e vir não é absoluto.
A própria Constituição da República prevê situações em que ele pode ser
limitado, como no caso de prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de Juiz, em caso de prisão civil, administrativa ou especial para
fins de deportação, nos casos cabíveis na legislação específica, e em caso de
vigência de estado de sítio, para determinar a permanência da população em
determinada localidade, única situação na qual há permissão expressa de
restrição generalizada deste direito.
Além disso, parece-me que o Presidente nunca se atentou ao Princípio da
Ponderação, onde havendo uma situação de antagonismo entre esses institutos
jurídicos, impõe-se proceder à consonância entre eles, com o uso do princípio
da proporcionalidade.
Assim, o direito de ir e vir versus o direito a vida, integridade física e à
saúde plena decorrente da pandemia estão em combate.
Conforme o renomado e paradigma jurista Canotilho "há a prevalência (ou
relação de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro, sendo legítimo
dizer que um direito tem mais peso do que o outro, isto é, um direito prefere
outro em virtude das circunstâncias do caso."
Enfim, pergunto aos Amigos Leitores, qual o direito que deve ser preservado?
Obviamente a vida, pois sem vida não teremos o mínimo direito de ir e vir e de
subsistência.
Compreendo a respeito dos efeitos econômicos, mas a vida é um direito que
sempre deve ser preservado.
Politizar um assunto de direitos humanos é equiparável a ato sem
responsabilidade.
Decretar um direito fundamental flexível de ir e vir é amador e sem qualquer
nexo jurídico adequado.
Interessante destacar mais uma vez que conforme a lei 13.979/20, regulamentada
pelo decreto 10.282/20 e portaria 356/20 do Ministério da Saúde, possível
quarentena ser decretada pelos gestores locais de saúde.
Como somos um país de extensão continental, as regiões poderão ter
consequências e necessidades particulares e assim, mais do que coerente que
seus Governadores regulem as situações.
Tais situações e regulamentos estaduais devem ser respeitados sob pena de
prisão do infrator pelo crime do art. 268 do Código Penal, que pune
criminalmente a conduta de "infringir determinação do poder público,
destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".
Portanto, o decreto pretendido pelo Excelentíssimo Presidente da República é
natimorto juridicamente.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, os decretos presidenciais possuem
funções limitadas e puramente administrativas.
Em relação a isso, a Seção II, intitulada “Das atribuições do Presidente da
República”, em seu artigo 84, diz que: " Compete privativamente ao
Presidente da República:
VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da
administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou
extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando
vagos."
Então os decretos presidenciais são os atos por meio dos quais o Presidente da
República tomam estritamente decisões administrativas.
Outrossim, os decretos emitidos pelo Executivo, funcionam de maneira diferente
dos do Legislativo. Eles estão dentro do grupo dos atos administrativos, que,
por sua vez, estão abaixo da lei.
Portanto, decretar não é o caminho adequado a ser tomado pelo Digníssimo
Presidente da República, pois com certeza será ilegal ou inconstitucional.
Marcelo Válio: graduado em
2001 PUC/SP, Marcelo Válio é especialista em direito constitucional pela ESDC,
especialista em direito público pela EPD/SP, mestre em direito do trabalho pela
PUC/SP, doutor em filosofia do direito pela UBA (Argentina), doutor em direito
pela FADISP, pós doutor em direito pelo Universidade de Messina (Itália) e pós
doutorando em direito pela Universidade de Salamanca (Espanha), e é referência
nacional na área do direito dos vulneráveis (pessoas com deficiência, autistas,
síndrome de down, doenças raras, burnout, idosos e doentes).