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Os problemas agrários do Brasil foram resolvidos?

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Por Guilherme Mazer

Como parte das atividades da 6ª Semana Social Brasileira (SSB), fui convidado a fazer uma reflexão sobre as questões agrárias para colaborar com o processo de mobilização e transformação social com vistas à construção de um Projeto Popular para o Brasil, um dos objetivos principais do evento. O artigo que segue é a síntese da minha contribuição.

 Assim, para responder a pergunta do título elaboramos uma reflexão a partir de quatro pontos distintos, quais sejam, a concentração fundiária e suas desigualdades; a crescente internacionalização da agricultura por meio do controle da tecnologia, processamento, comercialização e produção; a insegurança alimentar promovida pelas transformações recentes da dinâmica produtiva da agropecuária; e, por fim, a persistência da violência atravessada pela exploração do trabalho e da devastação ambiental como características do modelo agrário dos Campos Gerais.

Concentração fundiária

Sobre a concentração fundiária, recorro à minha dissertação de mestrado que analisou a questão a partir da observação do avanço do reflorestamento de pinus e eucalipto nas cidades que fazem parte do Território Caminhos do Tibagi, que são Reserva, Imbaú, Ortigueira, Tamarana, Telêmaco Borba, Tibagi, Figueira, Curiúva e Ventania. Em 2006 o Território Caminhos do Tibagi tinha 10.115 estabelecimentos rurais, ao passo que 2017 constatou-se 8.347, uma diminuição de 18%, sendo mais acentuada essa redução no extrato de estabelecimentos de até 10 ha - 21%, e menos acentuada no extrato de estabelecimentos acima de 200 ha - 5%. O estado do Paraná nesse período registrou uma redução de 17,77% no número de estabelecimentos rurais.

Assim, a concentração fundiária não apenas persiste como se aprofunda a cada dia nos últimos anos, mesmo nos períodos compreendidos pelos governos progressistas do Partido dos Trabalhadores, resultado do avanço do capitalismo na agricultura, com grandes propriedades absorvendo as pequenas levando a uma série de desigualdades.

Na região dos Campos Gerais é significativo o efeito da propaganda “o agro é pop”, que leva em conta majoritariamente a indústria do papel, celulose e grãos, utilizando como justificativa o aumento do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.

Ocorre que mesmo o pesquisador Amartya Sen, idealizador desse índice e prêmio Nobel de Economia, sabia das limitações desse medidor quando sobreposto a outros índices. Por exemplo, Telêmaco Borba, apesar de apresentar um PIB – Produto Interno Bruto e IDH-M que transparecem prosperidade econômica, em 2016 ganhou o título de cidade mais violenta do interior do Paraná, descortinando a pobreza, exclusão e desigualdade social que impulsiona a criminalidade.

O argumento de melhoria do IDH-M dos municípios é usado pelos defensores do agronegócio na região, mas essa perspectiva não resiste a uma observação mais atenta do IDH levando em conta a posição dos municípios, porque o IDH subiu no Brasil todo nos últimos anos, mas a maior parte dos municípios integrantes do Território perderam posição no ranking. O que demonstra que o modelo de desenvolvimento rural da região pode não ser um fator relevante para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes da região.

Ainda que existam assentamentos da reforma agrária, aldeias indígenas, quilombos, portanto territórios de resistência à concentração fundiária, desde a decisão tomada nos anos em que o Brasil foi governado pelos militares, de modernizar a agricultura a partir do latifúndio, agudizou a concentração da terra.

A crescente internacionalização da agricultura por meio do controle da tecnologia, processamento, comercialização e produção.

Cabe afirmar que essa aposta de modernização elevou os índices de produtividade com avanços tecnológicos, mas se baseou fortemente na indústria internacional, porquanto o Brasil não foi capaz de criar uma indústria nacional forte de insumos, muito menos de transformação.

Quando olhamos para a cidade de Ponta Grossa, percebemos facilmente a prevalência de multinacionais como Bunge, Louis Dreyfus, Cargil no setor agroindustrial. Inclusive, importantes empresas nacionais de produção de insumos e tecnologia (como a FT sementes, vendida em 1996 para Monsanto) foram compradas pelas gigantes mundiais do agro, reafirmando um modelo concentrador de recursos e tecnologia.

A Klabin, que recebe inúmeros incentivos desde os governos de Getúlio Vargas e Manoel Ribas (Paraná), mantém o controle do capital nas mãos da família, mas é refém dos “humores” do mercado de celulose, controlado, em boa medida, pela China e países nórdicos.

Isso é muito presente em nossa região, por mais que a elite agrária tenha o domínio da terra em si, o controle e a territorialização é do agro, não é decisivamente brasileiro, e não é a burguesia nacional que comanda, e muito menos têm qualquer influência sobre os rumos tomados pelo segmento dos trabalhadores rurais mais pobres. Dessa forma, a economia regional é fortemente desterritorializada ou deslocalizada, cujo resultado é que grande parte dos excedentes econômicos gerados na região são carreados para outras regiões do Brasil e aos acionistas nacionais e globais das grandes corporações multinacionais.

Nesse contexto, nem a burguesia nacional nem a elite agrária foram capazes de criar uma indústria nacional de insumos e transformação, deixando o país cada vez mais dependente das commodities primárias. Se levarmos em conta todo o peso que o agronegócio tem no Produto Interno Bruto, mas comparando com o que é transferido em recursos financeiros a esse setor, com as isenções fiscais, subsídios na aquisição de tecnologia e do óleo diesel, entre outros benefícios, veremos que esse modelo custa muito caro para o Brasil na medida que dá retorno insuficiente na geração de mão de obra, na produção e na distribuição da riqueza, que fica concentrada nas mãos do capital internacional.

Insegurança alimentar promovida pelas transformações recentes da dinâmica produtiva da agropecuária

O País passou por transformações importantes se levarmos em conta o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o fortalecimento do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), que incentivou a agricultura familiar comprando os produtos desses agricultores e distribuindo para escolas, hospitais e outros por meio dos programas de assistência social.

No entanto, no segundo governo da ex-presidente Dilma Roussef, os recursos escassearam e o PAA teve um duro golpe através da Operação Agro-Fantasma na região, que desmontou as organizações de pequenos produtores fazendo acusações que depois se mostraram absolutamente infundadas. Por fim, os agricultores foram absolvidos, mas o estrago já estava feito e de certa forma foi irreversível. 

Ocorre que o agronegócio não consegue dar conta da demanda por segurança alimentar. Se analisarmos os índices inflacionários de maneira geral, percebemos a constante evolução de preços dos alimentos, mesmo com todo aumento na produtividade do agronegócio. Dessa forma, temos   uma contradição insanável que demonstra, de forma inegável, que o agronegócio não tem como objetivo fundamental resolver o problema da insegurança alimentar no Brasil.

A cidade de Telêmaco Borba é um exemplo claro dos efeitos do domínio do território pelo agronegócio, pois quando a propriedade da terra está extremamente concentrada, bastam pequenas crises, como uma greve de caminhoneiros, para que se gere insegurança alimentar por falta de diversidade de alimentos disponíveis à população. Portanto, o agronegócio gera muita riqueza nos municípios, mas ela não se reverte em qualidade de vida para as pessoas, porque a maior parte da riqueza gerada transforma-se em aplicações financeiras, remuneração dos acionistas, reinvestimentos de capitais, beneficiando atores que residem em outras cidades e regiões. Inclusive, como as plantas industriais são capital-intensivas a geração relativa de empregos é pequena em termos do valor dos capitais investidos.

Estima-se que 70% da produção de alimentação diversificada que chega efetivamente à mesa dos brasileiros é produzida pelos pequenos estabelecimentos agrícolas. Se a concentração da terra continuar se elevando indefinidamente, o problema da insegurança alimentar vai persistir, principalmente porque a população urbana cresce mais do que a rural neste modelo que não valoriza a pequena produção.

Violência atravessada pela exploração do trabalho e da devastação ambiental

Por último, a persistência da violência, da exploração do trabalho e da devastação ambiental resultam em constante aumento do número de mortes e perseguição às lideranças de movimentos do campo.

No Paraná, o sofrimento é grande entre os quilombolas do Vale do Ribeira e os indígenas no Leste do Estado, inclusive com mortes. Nos Campos Gerais há muita insegurança nos acampamentos, e até em assentamentos da reforma agrária, com sucessivas ações de despejo por parte do Estado. Há também um tipo de violência velada, como no Centro Sul, dominado pelas fumageiras, que, num primeiro momento incentivam a produção, mas na hora da compra selecionam poucos produtores.

De outra maneira, um tipo de violência simbólica também acontece quando o agronegócio avança sobre nascentes, quando o reflorestamento lança faixas de sombra, tirando o direito de pequenos agricultores à luz e à água, ao impedir, através do risco de contaminação por transgênicos, que se garanta a biodiversidade com plantações de milho crioulo, produtos agroecológicos, entre outras produções alternativas.

São essas violências que passam até pelo registro de trabalho escravo na Região dos Campos Gerais e pela devastação ambiental causada pela monocultura que destrói a possibilidade de preservação da biodiversidade com utilização de grande quantidade de agrotóxicos.

Cabe aqui lembrar que a propaganda para o aumento das culturas transgênicas trazia em seu contexto a menor utilização de agrotóxicos. No entanto, há estudos feitos por pesquisadores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que mostram aumento exponencial na utilização de produtos tóxicos nas lavouras, tanto em quantidade quanto em área cultivada, além de pesquisas recentes feitas na Universidade Estadual de Ponta Grossa que mostram a presença de agrotóxicos perigosos e já banidos pela legislação no corpo de peixes e alevinos, de rios e represas da região, como a do Alagados, que é fundamental para o abastecimento de água da população de Ponta Grossa.

É um modelo de agricultura com custos ambientais e sociais bastante significativos, por mais que não existam no Paraná os famosos “correntões” – técnica de desmatamento devastadora usada para derrubada massiva de vegetação nativa - como há no Cerrado, pois contamina a água, não conserva biodiversidade, não distribui riqueza e não permite que a terra cumpra sua função social.

Por isso, a reforma agrária ainda faz todo o sentido, principalmente se levarmos a cabo a matriz idealizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que prioriza a produção de alimento saudável, preservação do meio ambiente e a garantia da sucessão na propriedade da terra, dando oportunidade para os jovens gerarem renda e terem a possibilidade permanecer no campo e, mesmo assim, viverem com dignidade.  A distribuição igualitária da terra não é apenas importante em termos econômicos, mas garante mais saúde para a população, revertendo a insegurança alimentar, controlando o domínio do território a partir das necessidades de água e de comida das pessoas.

Por fim, a reforma agrária tem demonstrado ser um fator decisivo para o desenvolvimento local porque nas últimas cinco décadas centenas de municípios brasileiros e paranaenses sofreram uma significativa involução econômica com perda de população e de atividades econômica. Alguns estudos têm demonstrado, de forma inequívoca, que assentamentos rurais com centenas e milhares de famílias em municípios estagnados provocam um dinamismo econômico importante, como o retorno de atividades econômicas que são geradas pelas demandas de consumo em geral, provocadas pela recuperação populacional do município, resultando no ressurgimento de uma pequena economia, mas fortemente territorializada. A grande economia desterritorializada precisa dividir as riquezas geradas nos municípios com as populações que continuam residindo nas regiões tipicamente rurais, se não for por solidariedade, que pelo menos o faça por entender que uma economia sustentada depende de uma menor desigualdade de renda, com um mercado interno mais forte e equilibrado. 

Por Guilherme Mazer: Co-vereador do mandato Coletivo do PSOL em Ponta Grossa. Engenheiro agrônomo, mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável

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