Debates
O colapso das pessoas
Da Redação | 23 de março de 2021 - 02:56
Por Everson Krum
Nas últimas semanas ganhou espaço nas mídias sociais e
também nos veículos de comunicação a expressão "colapso do sistema de
saúde". O debate sobre o tema ganhou força diante da expansão de casos da
covid-19 e da sobrecarga no sistema de saúde (público e privado). Desta forma,
começa a se falar sobre outro colapso, tão ou mais evidente que o primeiro, que
é o colapso das pessoas que atuam no setor da saúde.
Há uma falsa impressão de que a abertura de vagas em
unidades de terapia intensiva (UTIs) e leitos clínicos pode ser feita
infinitamente e seria a "solução" para o caos provocado pela
pandemia. Mas isso esbarra em dois fatores: (a) o evidente limite técnico e
físico dos hospitais e (b) o limite e o colapso das pessoas que atuam no
sistema de saúde, seja ele público ou privado.
No caso dos limites técnicos, notamos que os gestores em
saúde têm feito o que podem para adicionar leitos nas estruturas já existentes.
Mas no caso do limite das pessoas há mais a ser feito: os profissionais de
saúde tem atuado sem férias há um ano, com uma alta carga psicológica e
presenciando mortes diárias que são classificadas como "evitáveis",
já que são causadas por uma doença (covid-19) contra qual já há vacina.
Isso causa em boa parte dos profissionais a chamada Síndrome
de Burnout, que é uma condição psicológica causada pelo excesso de trabalho. A
isso se soma a insegurança causada nos profissionais, o medo de errar pelo
cansaço e mesmo a incapacidade de não estar em sua "melhor forma"
para prestar o atendimento de melhor qualidade ao paciente internado.
No caso dos hospitais que tratam covid-19, há ainda outro
fator adicional: os profissionais de saúde estão "perdendo" muito
mais do que estão acostumados. Em ambientes hospitalares a morte é uma exceção,
nós lutamos todo tempo contra ela e fazemos de tudo para evitá-la de forma
precoce e adiá-la. No entanto, com pacientes com a covid que estão internados,
a morte tem sido frequente e desgastado ainda mais as equipes de saúde.
E esse colapso não atinge apenas os profissionais que atuam
diretamente no atendimento aos pacientes, mas em toda a cadeia hospitalar:
passando por profissionais da limpeza, motoristas, remoção e trabalhadores do
transporte, da recepção, da regulação e NIRs, da radiologia, dos laboratórios
clínicos, quem cuida das escalas e todas as outras funções que envolvem o
atendimento pré e hospitalar. Desta forma é fundamental observar com carinho e
atenção a questão do colapso das pessoas.
Se o dinheiro pode comprar equipamentos para uma nova UTI,
um novo leito clínico ou uma ampliação de uma ala hospitalar, esse mesmo
dinheiro não compra o descanso de uma equipe envolvida diretamente com o
atendimento ao paciente. A sociedade, como um todo, precisa notar que há uma
aproximação do colapso entre aqueles que atuam no campo da saúde e que tem como
missão salvar vidas.
Com isso, precisamos lembrar que a atividade em saúde é uma atividade necessariamente humana. Isso implica dizer que apenas insumos não resolvem a situação de um paciente se não houver ali um profissional de saúde qualificado. Se o colapso no sistema de saúde (material) se tornou realidade, é preciso evitar o colapso das pessoas. Sem pessoas não há saúde pública e muito menos vida.