Debates
Cultura, economia e distanciamento social
Da Redação | 12 de março de 2021 - 01:38
Por Everson Krum
É fato: para conter o avanço da covid-19 no Brasil é preciso
unir isolamento social e vacinação em massa. Qualquer outra combinação não
trará resultados efetivos para o principal objetivo que, neste momento, é
diminuir a contaminação e, consequentemente, a demanda de pacientes que
precisam de leitos clínicos e também de UTIs (Unidade de Terapia Intensiva).
Mas afinal: quais motivos nos levam a tanta dificuldade em garantir
distanciamento social diante de uma doença que é, notadamente, perigosa e
mortal?
A minha experiência em gestão hospitalar, saúde pública e gestão pública me fazem enxergar, ao menos, dois motivos centrais: um de cunho financeiro e outro de cunho cultural. O primeiro (financeiro) diz respeito às necessidades econômicas de parte sensível da população - essa faixa da população que trabalha ou mesmo é dona de pequenas e micro empresas que foram atingidas em cheio pelo distanciamento social e pela diminuição na circulação de pessoas e isso se arrasta há pelo menos um ano.
Esse quesito econômico ganha contornos ainda mais graves
quando notamos que não há apoio do Governo Federal a esses pequenos e médios
empresários, muito menos aos trabalhadores informais. Não podemos pensar que o
Auxílio Emergencial, aprovado por pressão do Congresso e que já é passado,
possa ter representado uma política pública efetiva para sustentar o
distanciamento social e seus desdobramentos econômicos em um país tão desigual
quanto o nosso em 2021.
O segundo (cultural) têm raízes mais profundas na nossa
formação social e também explicações de cunho psicológico. Acredito que há uma
tendência psicológica de adaptação à proibição, que faz com que progressivamente
passemos a discordar e questionar algumas privações, o que é ótimo no ambiente
democrático, mas péssimo no cenário pandêmico. A isso se soma à falta de
exemplo institucional e também um falso sentimento de segurança com o início da
vacinação. É delicado cobrar do cidadão comum algo que o próprio presidente da
República e outras autoridades se recusam a fazer, como usar máscara e evitar
aglomerações.
Um outro fator que também influencia a questão que aqui
considero "cultural" é alimentado pelas informações desencontradas e
difundidas pelo próprio Governo Federal no que diz respeito ao envio de
recursos para a organização prévia no combate à doença. É preciso entender que
os recursos enviados pela União são pífios quando pensamos no enfrentamento de
uma pandemia com um sistema público de saúde e que atinge uma parcela muito
grande da população "ao mesmo tempo".
Aos fatores culturais e sociais soma-se ainda uma outra
falsa sensação: "isso não é comigo". Em Ponta Grossa, por exemplo,
apesar de termos um grande número de casos, proporcionalmente a doença atingiu
até agora cerca de 6% da população (24 mil casos) e 0,12% de mortos (432) em
relação a população de 355 mil pessoas da cidade. Isso nos leva a sensação de
distância da nossa realidade usual, em um processo de "não é comigo"
e de negação daquilo que é óbvio.
A partir destas duas esferas (econômica e cultural) e também
dos quesitos que as influenciam, podemos entender os porquês de parte da
população questionar o distanciamento e até mesmo a própria vacinação. Para os
dois casos, a resposta está na ciência, em diferentes campos do
conhecimento.
Entendo que é preciso políticas públicas econômicas para
garantir sobrevivência financeira aos nossos cidadãos, ao mesmo tempo que é
preciso usar outros conhecimentos científicos para conscientizar os nossos
sobre a realidade que vivemos. De um lado, nossos cientistas correm contra o
tempo para viabilizar a vacinação em massa, mas também é preciso usar a ciência
para termos uma sociedade mais informada e consciente.
Everson Krum - Vice-reitor da UEPG e ex-diretor do HU-UEPG