Debates
A macroeconomia da pandemia
Da Redação | 10 de março de 2021 - 00:21
Por Matheus Albergaria
Já faz alguns anos que venho tendo a oportunidade de
ministrar cursos na área de macroeconomia. Conforme o nome sugere, a macroeconomia
corresponde ao estudo de fenômenos econômicos em nível agregado, como a
inflação, o desemprego, o produto interno bruto (PIB) e a taxa de câmbio, por
exemplo. Pessoalmente, considero essa área de estudo fascinante e me sinto
grato pela oportunidade de poder discutir temas macroeconômicos com os alunos
todas as semanas, podendo aprender cada vez mais a partir dessa interação. Em
mais de uma ocasião, ao longo do último ano, os alunos me perguntaram a
respeito das possíveis consequências macroeconômicas da pandemia do COVID-19
para o Brasil. Questionamentos assim fazem bastante sentido no atual momento
que vivemos, uma vez que os alunos — e a sociedade como um todo — percebem que
a pandemia tem claras consequências econômicas de curto, médio e longo prazos.
Embora seja extremamente difícil fazer previsões precisas
relacionadas a uma economia complexa como a brasileira durante o momento
específico que vivemos, é possível traçar algumas tendências gerais
relacionadas ao cenário macroeconômico nacional. Assim sendo, minha principal
intenção neste artigo é discutir alguns dos principais impactos da pandemia do
Coronavírus sobre a economia brasileira desde seu início, há cerca de um ano.
Especificamente, vou tentar destacar alguns dos efeitos macroeconômicos
esperados em nível teórico e, ao mesmo tempo, citar parte da evidência empírica
disponível — ou seja, o comportamento de alguns dados macroeconômicos — no
período. Faço isso com o intuito de tornar minha exposição mais concreta e
aplicada. Desde já, fica a ressalva de que, dadas as limitações de espaço
comuns a um artigo, assim como a ausência de importantes recursos didáticos —
como a utilização de gráficos e diagramas em um quadro negro — há a
possibilidade de que alguns dos pontos aqui mencionados não fiquem tão claros
quanto eu gostaria, em princípio. Ainda assim, dada a gravidade da atual
situação, acredito valer a pena a tentativa de ilustrar os potenciais efeitos
macroeconômicos da pandemia.
Desde os primeiros relatos de contaminação pelo Coronavírus,
notamos a ocorrência de claros efeitos sobre importantes variáveis econômicas
em nível agregado. Um primeiro efeito mais evidente foi que a produção agregada
da economia — capturada por uma medida como o PIB, por exemplo — diminuiu
consideravelmente. O início e posterior desenvolvimento da pandemia no país e
no mundo teve o efeito de aumentar consideravelmente os custos de produção das
empresas da economia, o que corresponde a uma contração da curva de oferta
agregada (OA), que reflete a quantidade total de bens e serviços ofertados
pelas famílias e empresas nacionais. Uma consequência imediata desse padrão de
contração foi uma redução da produção agregada. Por sua vez, essa diminuição do
PIB acabou aumentando a chamada capacidade ociosa da economia. Ou seja,
empresas declararam falência, máquinas foram desligadas, frotas de caminhões e
carros ficaram paradas em garagens e estabelecimentos foram fechados. Mais do
que isso, a pandemia gerou um tipo perverso de capacidade ociosa,
correspondente à ociosidade do fator trabalho (também conhecida como
desemprego). Em palavras, observamos a ocorrência de desemprego involuntário em
vários setores da economia. Ou seja, há muitos trabalhadores em busca de
emprego que não conseguem encontrar vagas no mercado de trabalho desde o ano
passado, ainda que estejam dispostos a trabalhar. Dados recentes sugerem que,
de fato, o desemprego aumentou consideravelmente no país desde o início da
pandemia.
Adicionalmente, a pandemia elevou o grau de incerteza
vigente entre as pessoas e empresas da sociedade. Há várias décadas, os
economistas vêm destacando os potenciais efeitos adversos do aumento da
incerteza na economia. Segundo alguns autores, em momentos de alta incerteza -
como agora — a atividade econômica pode vir a contrair de maneira
significativa. Por exemplo, uma vez que famílias e empresas não sabem o que
esperar no futuro próximo, importantes decisões econômicas são postergadas ou
até mesmo adiadas. Isso ocorre, uma vez que, diante de tanta incerteza, as
famílias acham que pode ser melhor guardar um pouco de dinheiro para o caso de
algum imprevisto, como despesas com saúde ou alimentação, por exemplo. De
maneira semelhante, em um cenário de alta incerteza, as empresas da economia
começam a ficar receosas de investir, postergando importantes decisões de
investimento e deixando de construir novas edificações ou comprar mais
máquinas. Tomadas em conjunto, essas decisões podem vir a aumentar a
intensidade do padrão contracionista observado em nível agregado.
Em meio ao contexto de pandemia vivido pelo país, uma
importante variável macroeconômica corresponde aos gastos do governo (G).
Conforme o nome sugere, essa variável captura as compras e gastos incorridos
pelas várias esferas do governo (municípios, estados e União) ao longo do
tempo. Em termos teóricos, gastos desse tipo tendem a exercer um padrão
expansionista sobre a economia, uma vez que podem vir a estimular os gastos de
consumo das famílias e os investimentos das empresas. Desde o início da
pandemia no Brasil, ganhou destaque o auxílio emergencial, correspondente a um
benefício financeiro concedido pelo Governo Federal, destinado a trabalhadores
informais, microempreendedores, autônomos e desempregados. No caso, o principal
objetivo desse auxílio é fornecer algum tipo de proteção emergencial a essas
categorias durante o período de pandemia. Dados econômicos recentes sugerem que
os gastos governamentais, nos moldes do auxílio emergencial, ajudaram a evitar
que a queda de produção verificada no país fosse mais pronunciada, uma vez que
preservaram o padrão de consumo de algumas famílias do país. Ainda assim, há
uma preocupação do governo federal com as possíveis consequências desses gastos
para a dívida pública do país, que pode chegar a níveis insustentáveis no médio
e longo prazos. Enquanto essa discussão permanece em aberto no momento, parece
crescer o consenso entre alguns setores da sociedade de que programas de
assistência financeira a uma parcela da população são necessários no momento de
pandemia que vivemos, dadas as suas consequências adversas sobre a economia
como um todo.
Em relação ao cenário econômico internacional, há duas
possibilidades em nível teórico, em princípio. Por um lado, as exportações das
empresas nacionais para outros países (X) podem vir a cair, uma vez que a renda
dos países vizinhos — correspondente ao principal determinante das exportações
de um país — diminuiu durante a pandemia. Adicionalmente, como a produção
nacional (doméstica) também diminuiu durante a pandemia, as importações acabam diminuindo
também (a renda doméstica é o principal determinante das importações do país).
Por outro lado, caso ocorra uma desvalorização da taxa de câmbio, as
exportações das empresas nacionais podem vir a aumentar, ao passo que as
importações (M) diminuem. O saldo líquido dessas forças, que atuam em sentidos
opostos, pode ser medido a partir da sua diferença, conhecida como
"exportações líquidas" (NX = X - M). Olhando para os dados de
comércio exterior do Brasil, notamos a ocorrência de um aumento das exportações
líquidas, um fenômeno principalmente decorrente da desvalorização do Real
frente às moedas de outros países, dentre outros fatores.
O que eu quero dizer, ao citar os vários efeitos da pandemia
sobre o consumo das famílias (C), investimento das empresas (I), gastos do
governo (G), exportações (X) e importações (M) é que essas são algumas das
variáveis que compõem aquilo que os economistas chamam de demanda agregada
(DA), que representa a quantidade total de bens e serviços demandados pelas
famílias e empresas que compõem a economia nacional, dado o nível agregado de
preços (DA = C + I + G + X - M). Ou seja, com o início da pandemia no país,
tanto a curva de demanda agregada quanto a de oferta agregada contraíram
significativamente. Esses movimentos de ambas as curvas, por sua vez, exerceram
um efeito contracionista sobre o nível de atividade, o que acabou gerando uma
recessão na economia (ou seja, as quantidades agregadas diminuíram ao longo de
dois trimestres consecutivos, pelo menos). Embora os economistas ainda estejam
discutindo sobre o possível formato da contração observada (formato de
"V", "U", "L" ou "W"), os dados sugerem
que o nível de atividade do país — medido a partir do PIB ou da produção
industrial — sofreu um claro padrão contracionista durante o primeiro ano da
pandemia.
Em termos do custo de vida das famílias brasileiras —
representado por medidas como o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA),
por exemplo — há a possibilidade teórica tanto de aumento quanto de redução do
custo de vida das famílias brasileiras (a depender dos movimentos das curvas de
demanda e oferta agregadas). Até o momento em que escrevo o presente artigo, os
dados econômicos disponíveis sugerem um claro padrão de elevação do custo de
vida no país, ocorrido a partir do aumento de preços de itens importantes ao
consumo das famílias brasileiras, como alimentos, bebidas e combustíveis, por
exemplo. Em termos gerais, esse resultado sugere que está ficando mais caro
viver no país desde o início da pandemia.
Em suma, quais são os impactos macroeconômicos da pandemia? Em termos de quantidades produzidas, observamos um claro padrão de contração de medidas de nível de atividade, como o PIB e a produção industrial. Em termos de custo de vida, observamos um padrão médio de aumento de índices de preços, como o IPCA, com destaque para alguns itens essenciais ao consumo das famílias, como alimentos e combustíveis. Embora eu não tenha a meta ambiciosa de esgotar todas as possibilidades de análise dos impactos macroeconômicos da pandemia neste artigo, espero ter conseguido elucidar alguns dos resultados que devem vir a ocorrer hoje e no futuro próximo. Em última instância, ocorreram nítidos impactos macroeconômicos adversos decorrentes da pandemia do COVID-19. Resta saber como o governo empregará seus instrumentos de política econômica para tentar amenizar alguns dos efeitos adversos daí decorrentes. Isto, só o futuro dirá.
Matheus Albergaria ([email protected]), professor de Economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP)