Debates
Novo lockdown e o drama dos comerciantes
Da Redação | 09 de março de 2021 - 01:50
Por Daniel Cerveira
Alguns setores da economia foram terrivelmente afetados pela pandemia da
Covid-19, especialmente o varejo físico, incluindo os restaurantes, academias e
outros estabelecimentos com porta para a rua. Neste contexto, vislumbramos o
alastramento do vírus no Brasil, o que fez com que muitos governantes
determinassem novos "lockdowns" o que, por consequência, agravou a
situação. Incrivelmente, até o momento não foi realizada nenhuma política
pública voltada para estes agentes econômicos, lembrando que eles são responsáveis
por uma grande parte dos empregos no Brasil e que o fechamento das lojas
acarretará na redução dos tributos arrecadados pelo Poder Público.
Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC) mais de 20 mil lojas
encerraram as suas atividades no Estado de São Paulo em 2020. No Brasil, o
número supera 75mil estabelecimentos extintos.
Sem entrar no mérito se as restrições impostas aos comerciantes são efetivas,
por exemplo, é nítido que os governantes implicaram com os shopping centers sem
justificativa plausível, o fato é que essa gama de empresas está totalmente à
deriva e enfrentando um cenário de absoluta insegurança. Vide os operadores de
restaurantes que não têm qualquer referência para decidir se compram ou não
matérias-primas, considerando que rapidamente precisam ser descartadas, quando
não utilizadas.
A estrutura de custos fixos dos varejistas físicos é formada, principalmente,
pelas despesas com a compra dos insumos/produtos, tributos, funcionários e o
aluguel do ponto comercial, sem contar os desembolsos com empréstimos
bancários. No geral, a folha de salários dos empregados e o de ocupação pela
locação do ponto continuam a incidir normalmente.
Quanto ao custo envolvendo os colaboradores dos lojistas, a melhor opção
política é aquela que visa proteger os empregos, portanto, tanto para o setor,
como para o país. É imperioso que, como o ocorreu no início da crise sanitária,
sejam criados mecanismos que compensem os comerciantes pelos prejuízos gerados
pela pandemia. Desta forma, os empresários terão estímulos para preservar as
vagas de trabalho e possibilitará a continuidade da arrecadação fiscal.
No que tange ao chamado custo de ocupação, é notório que a maioria dos lojistas
vêm conseguindo negociar as bases dos contratos de locação dos seus locadores,
muito embora nem sempre em patamares adequados para viabilizar as operações. No
entanto, uma parte significativa continua com bastante dificuldades de negociar
(e de pagar os locativos), incluindo nesta fatia lojistas de rua, shopping centers
e instalados em outros centros de compras.
Com efeito, se já não bastasse todos os entraves acima, tendo em vista que os
contratos de locação muitas vezes estabelecem como indexadores dos aluguéis o
IGP-M e IGP-DI, conferidos pela Fundação Getúlio Vargas, desde o final de 2020
os lojistas estão se deparando com reajustes nos locativos superiores a 20%,
sendo que hoje a variação nos últimos 12 meses dos dois índices acima estão
beirando 29% de crescimento. Tomando-se por referência o IPCA-IBGE, índice oficial
de inflação do Brasil, que em 2020 encerrou em 4,52% positivos, observamos uma
distorção flagrante (a Selic, por seu turno, atualmente, está em 2% ao ano).
Por mais absurdo que pareça, uma quantidade significativa de locadores, com
destaque para alguns shopping centers, estão exigindo a aplicação integral do
IGP/FGV e, quando muito, oferecendo descontos temporários irrelevantes. O
incremento nesta base no custo de ocupação é impensável do ponto de vista dos
comerciantes e configura manifesto enriquecimento ilícito praticado pelos
locadores.
A pandemia da Covid-19 é fato imprevisível e extraordinário, bem como foi a
causadora da nossa enorme perda cambial (desvalorização do Real), a qual
refletiu na disparada do IPA/FGV (Índice de Preços ao Produtor Amplo - antes
conhecido como Índice de Preços por Atacado), impactando ao final o IGP, uma
vez que o primeiro indexador compõe este último na proporção de 60%, juntamente
com o IPC e INCC, nos percentuais de 30% e 10%, respectivamente. O IPA sofre
influência de fatores estranhos ao varejo (variações cambiais, preço de
commodities etc.), razão pela qual o IGP não é o mais indicado para reajustar
os locativos dos estabelecimentos comerciais.
De outro lado, os indexadores da família dos IPCs, tais como o IPCA/IBGE,
IPC-FIPE ou IPC/FGV, uma vez que a sua metodologia consiste em apurar a
inflação com base na variação dos preços dos produtos e serviços destinados ao
consumidor final, são os mais recomendados para amparar os reajustes dos
locativos dos imóveis usados para fins comerciais.
Por tais aspectos, e partindo-se da ideia de que a Lei Brasileira prevê como
princípios a função social dos contratos, a boa-fé objetiva e o equilíbrio
contratual, é evidente que os inquilinos que se sentirem prejudicados têm
ótimos argumentos para pleitearem a revisão judicial dos contratos ou a suas
rescisões sem quaisquer ônus, à luz dos artigos 317, 478 e 567, todos
do Código Civil, bem como o artigo 6º, da Lei da Pandemia. Apesar de
ainda existir muita controvérsia no Poder Judiciário, felizmente verificamos um
volume interessante de precedentes favoráveis aos lojistas neste sentido.
O momento é excepcional e demanda solução inteligentes. Ademais, não vejo outra
alternativa para minimizar as perdas econômicas que não seja a união de todos
neste momento, isto é, empresários, parceiros de negócios, governo, bancos e
colaboradores devem dar as mãos e trabalhar juntos. O lado bom é que a
conjuntura atual com certeza é passageira, na medida em que a vacinação avança.
*Daniel Cerveira é advogado, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems,
Hansen & Longo Associados Advogados Associados, consultor jurídico do
Sindilojas-SP, autor do livro "Shopping Centers - Limites na liberdade de
contratar", Editora Saraiva, professor dos cursos MBA em Varejo e Gestão
de Franquias da FIA - Fundação de Instituto de Administração e da pós-graduação
em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ e pós-graduado em
Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas São Paulo.