Debates
Sementes de esperança
Da Redação | 21 de janeiro de 2021 - 01:59
Por João Guilherme Sabino Ometto
Em 1500, quando, na carta-relatório do Descobrimento do Brasil ao rei português
D. Manoel, o escriba Pero Vaz de Caminha relatou que "aqui em se plantando
tudo dá", jamais poderia imaginar que, 520 anos depois, um bem intangível
de imenso valor também estaria brotando de nossa abençoada terra: a esperança.
Esta, fundamental no enfrentamento da duríssima crise da Covid-19, é o fruto da
resiliência, competência e profissionalismo dos produtores rurais, mulheres e
homens que trabalham no campo e todos os demais elos da cadeia produtiva.
O sentimento está expresso, com todas as letras, no Índice de Confiança do
Agronegócio (IC Agro), recém-divulgado pela Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp) e a CropLife Brasil. Ao fechar o terceiro trimestre no
patamar recorde de 127 pontos, subindo 15,3 degraus em relação aos três meses
imediatamente anteriores, o indicador carrega uma forte mensagem de coragem e
superação aos brasileiros.
Cabe explicar a metodologia utilizada: acima de 100, a posição é de otimismo e
abaixo, de pessimismo. É interessante notar que, na composição do índice, o
segmento dos entrevistados de dentro da porteira, ou seja, os agropecuaristas,
é o que apresentou o melhor resultado, com 132,7 pontos, seguido pela
agroindústria (123,3) e empresas de insumos agrícolas (122).
Os números são congruentes com o desempenho setorial. A safra de grãos 2019/20,
um recorde, está estimada em 257 milhões de toneladas, 4,8% acima na comparação
com 2018/2019. Quase 70% do aumento referem-se a ganhos de produtividade e
eficiência, impulsionados por tecnologia. Ademais, o agronegócio, cujo PIB é de
R$ 1,55 trilhão, representa 21,7% do nacional e suas exportações, 43% do total
do País, garantindo o superávit de nossa balança comercial, com embarques significativos
de produtos como soja, carnes, cereais e do complexo sucroalcooleiro.
O campo não se abateu com a pandemia e ante fatores internos de nosso país
passíveis de prejudicá-lo, como alguns projetos relativos à reforma tributária
em trâmite no Congresso Nacional, que podem aumentar sua taxação agravando os
custos da produção em 2021. Em São Paulo, estado forte no agronegócio, o
governo tem dialogado com o setor e sido razoável no aspecto fiscal. O Brasil
precisa mesmo de um sistema de impostos mais moderno e desburocratizado,
entretanto menos oneroso para a sociedade, em especial no tocante aos segmentos
que mais geram empregos, renda e divisas internacionais.
Resiliente, a agropecuária segue cultivando sementes de esperança. Porém,
alerta sobre a importância de concluirmos, na agenda de 2021, as reformas
estruturais, como a administrativa e a tributária, mas sem aumentar os já
pesados ônus dos impostos e taxas pagos à União, estados e municípios. Mais
importante do que tudo, entretanto, é que tenhamos um eficaz plano nacional de
imunização contra a Covid-19, à medida que se liberem as vacinas em fase final
de testes, como já estão fazendo várias nações. É prioritário proteger nossa
gente e evitar novas ondas de contaminação. Além da prioritária defesa da saúde
dos brasileiros, a medida é decisiva para a plena retomada das atividades
econômicas.
A terra na qual em se plantando tudo dá tem desafiado o improvável e germinado
produção e otimismo recordes. Porém, realizar o impossível pode ter limites.
João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São
Carlos - EESC/USP), empresário do setor agrícola e membro da Academia Nacional
de Agricultura (ANA).